Do que a Civilidade prescreve acerca do elogio e da lisonja

AS REGRAS DE CORTESIA


SEGUNDA PARTE
Da cortesia nas ações comuns e ordinárias


CAPÍTULO VII

Dos entretenimentos e da conversa
ARTIGO III

Das várias maneiras diferentes de falar

Há muitas maneiras diferentes de falar, que expressam em nós várias paixões e inclinações diferentes. Essas maneiras são: elogiar, lisonjear, perguntar, responder, contradizer, opinar, discutir,
interromper e repreender.

Parágrafo I

(Os outros parágrafos anunciados se tornam Artigo IV e V)

Do que a Civilidade prescreve acerca do elogio e da lisonja

Sempre é muito sem graça uma pessoa elogiar-se a si mesma e se vangloriar; isto não assenta bem a um cristão que somente deve salientar-se por sua maneira de viver; por isso só deve ter nele ações que falem; mas o que se refere às palavras, nunca deve
falar de si nem bem nem mal.

Quando alguém é louvado, nunca deve manifestar satisfação; isto seria sinal de que se gosta de ser bajulado; mas deve desculpar-se educadamente, dizendo, por exemplo: Você chega a me confundir; só estou fazendo meu dever, etc. Ainda melhor e mais educado seria não dizer nada e mudar de assunto, o que então não seria nenhuma falta de cortesia. Se for uma pessoa de condição muito superior que elogia você, deve saudá-la educadamente, como para lhe agradecer,
e manter-se na modéstia, sem lhe responder, pois a resposta seria uma falta de respeito.

Quando se ouve alguém ser elogiado, a cortesia quer que acrescentar mais alguma coisa ao que foi dito, ou pelo menos aplaudir; nunca fazer comparação entre essa pessoa e uma outra.

Nunca se deve elogiar de modo extraordinário uma pessoa, mas é educado fazê-lo sempre sem exageros e sem qualquer comparação. Deve-se também ter a precaução de não elogiar alguém na presença de seus adversários.

No caso de estarmos em companhia de outras pessoas ou em qualquer ocasião e tivermos ocasião de elogiar algum de nossos parentes, podemos fazê-lo, contanto que seja sóbria e moderadamente. Quando algum deles é elogiado diante de nós, não se deve aplaudir os elogios que lhe são feitos, mas é educado
manifestar gratidão a quem elogiou.

Quando se dá um presente a alguém, é contra a cortesia tecer grandes elogios, como para levar a pessoa à qual é dado a mostrar mais gratidão. Contudo, se alguns outros o elogiam, deve-se manifestar que se desejaria que fosso mais bonito e mais digno do mérito da pessoa a quem se dá o presente; mas é absolutamente incivil recordar a alguém um bem que lhe foi feito, pois isto parece que é para lhe fazer uma censura.

Pelo contrário, a civilidade requer que se manifeste estima pelo presente recebido e não assenta bem escondê-lo imediatamente. Uma grande falta seria encontrar nele algum defeito, especialmente diante de quem o deu. Uma pessoa que fizesse isso merece nunca receber um presente.

Quando se mostra a alguém ou a um grupo alguma coisa que merece ser estimado, não é educado usar muitas expressões de admiração e elogios extraordinários, como procedem alguns. Isto seria manifestar que se tem opinião menos favorável para com a pessoa a quem pertence a coisa, ou que nunca se viu nada, ou que não se entende nada acerca do valor das coisas. Contudo não se deve ficar completamente indiferente quando a coisa é digna de estima, porque nisso se deve ao mesmo tempo ser modesto e justo.

Quando se mostra alguma coisa a um grupo de pessoas, não convém se apressar para ser o primeiro nos elogios, mas aguardar que a pessoa mais importante do grupo tenha expressado sua opinião; pois então é cortês dizer simplesmente o elogio, sem
exageros.

O mesmo se deve fazer em qualquer outra ocasião quando se está na obrigação de avaliar alguma coisa ou alguma ação, mas sem empregar para isso grandes exclamações gritando para tudo o que se está vendo: Oh! Como é bonito; Oh! Como é admirável,

especialmente quando se está na presença de uma pessoa a quem se deve muito respeito e antes que essa pessoa tenha feito seu julgamento; isto seria atribuir-se muita importância e faltar de respeito.

Lisonjear é falar bem de alguém sem motivo ou dizer muito mais do que há motivo, só para agradar ou por interesse próprio. Agir assim é uma covardia e sempre é em detrimento do lisonjeado quando o permite, pois manifesta ter pouco bom senso e muita
presunção suportar que os outros o lisonjeiem por coisas que ele, como cristão e como pessoa razoável, não pode se atribuir.


   São João Batista de La Salle (1651-1719)