SEGUNDA PARTE
Da cortesia nas ações comuns e ordinárias
CAPÍTULO VII
Dos entretenimentos e da conversa

ARTIGO IV
Da maneira de perguntar, de se informar,
de repreender e de opinar
É uma grande falta de civilidade interrogar e fazer perguntas a uma pessoa a que se deve ter consideração e mesmo a qualquer pessoa que seja, a menos que ela nos seja muito inferior e que dependa de
nós ou que nós estejamos obrigados a fazer que fale.
Nesse caso deve-se fazer as perguntas de modo muito educado com muita circunspeção.
Quando se quer saber alguma coisa acerca de uma pessoa a que se deve respeito, é de cortesia falar-lhe de maneira que ela seja obrigada a responder ao que se lhe pergunta, sem o interrogar, porém. Se, por exemplo, se quer saber se uma pessoa vai sair para o
interior ou a qualquer lugar, seria muito incivil e contra o respeito dizer-lhe: O senhor vai para o interior? Isto é chocante e familiar demais; seria preciso usar alguma linguagem como esta: Pelo jeito, o senhor está indo para o interior, ou, para tal lugar? Este torneio de frase não tem nada de ofensivo, além da curiosidade, escusável, quando feita com respeito.
Também é falta de educação dizer a uma pessoa com quem se está falando: "Esta me entendendo bem?" ou "Você está me compreendendo?" ou
"Não sei, se me estou explicando bem, etc." Deve-se prosseguir na conversa, sem usar todas essas maneiras de falar.
Quando se entra na roda de amigos, é muito descortês informar-se do que estão conversando. Tais informações são familiares demais e próprias de uma pessoa que não sabe viver: é preciso contentar-se, quando sentado, com escutar a quem fala e entrar na
conversa no momento certo.
Na conversação também não se deve pedir informações ou querer saber alguma coisa acerca de uma pessoa, por mais educada que seja a pergunta:
Onde está? De onde veio? O que ela fez ou quer fazer?
Perguntas desse tipo são demasiado livres e nunca são permitidas. Ordinariamente não se deve pedir informações sobre outras pessoas, exceto se tivermos uma obrigação particular de o fazer, para saber alguma coisa que respeita a pessoa acerca de quem se busca informações ou que tem relações com ela.
É uma imprudente falta de educação prevenir uma pessoa que faz uma pergunta, ao responder antes de ela ter acabado de falar, mesmo quando se sabe bem o que vai dizer.
Também é falta de educação ser o primeiro a responder a uma pessoa a que se deve respeito, quando pergunta alguma coisa na presença de outras pessoas que têm posição social acima da nossa, mesmo quando se trata somente de coisas comuns e ordinárias; por
exemplo, se ela perguntasse: que horas são? Deve-se deixar as pessoas mais graduadas do grupo responderem, exceto se a pergunta se dirige diretamente a determinada pessoa, que então seria obrigada a responder.
É muito descortês e pouco respeitoso responder a alguém, quer ao pais, quer a outras pessoas, e dizer simplesmente: sim ou não. Sempre se deve acrescentar alguns termos de honra; e dizer, por exemplo: Sim, Papai; sim, Senhor. Contudo é preciso toma cuidado
para não repetir com demasiada freqüência essas palavras na conversa, o que seria incômodo e enfadonho a uns e a outros.
Quando, ao responder, houver obrigação de contradizer uma pessoa à qual se deve ter consideração, não é educado fazê-lo cruamente. Neste caso deve-se recorrer a circunlóquios, dizendo:
Desculpe, Senhor, ou: Perdoe-me, Senhor, se ouso dizer que, etc.
Quando se está numa roda de pessoas em que se está falando de um negócio, é uma falta de educação dizer sua opinião, exceto se ela for pedida, especialmente quando há pessoas de condição superior.
Se nos encontrarmos numa roda de pessoas em que devamos dizer nossa opinião sobre um negócio, devemos aguardar nossa vez para falar; é preciso então tirar o chapéu com uma saudação à pessoa que preside e ao resto dos assistentes, e depois dizer simplesmente
o que pensamos.
Ao expressar nossa opinião, devemos tomar cuidado de não a sustentar com teimosia, porque não se deve fazer prevalecer de tal modo a própria opinião, como se fosse incontestável. Também seria muito mal educado contestar para a fazer valer, porque não se
deve aderir tão fortemente à opinião pessoal que não queira sujeitar-se à dos outros. Portanto, devemos estar bem longe de nos esquentar ou encolerizar para obrigar os outros a seguirem nosso pensamento: a paixão não é um meio honesto, nem sábio que uma pessoa possa utilizar para fazer crer que sua opinião é razoável.
Também nunca se deve opinar para censurar os outros, nem para desprezar o que disseram. Pelo contrário, um homem educado deve estimar e elogiar a opinião dos outros e dizer simplesmente a sua, porque ela é pedida.
São João Batista de La Salle (1651-1719)
São João Batista de La Salle (1651-1719)