SEGUNDA PARTE
Da cortesia nas ações comuns e ordinárias
CAPÍTULO VI
Das visitas
ARTIGO VI
Das visitas que se recebem e da maneira de se comportar nelas
Nunca se deve fazer esperar uma pessoa que vem visitar-nos, a não ser que se esteja ocupado com pessoas de posição mais alta do que a visitante, ou se esteja tratando de negócios públicos. completamente contra a educação deixar esperar à porta, no pátio, na cozinha, ou numa alameda. Se estamos obrigados a fazer esperar durante algum tempo, deve ser um lugar adequado em que a pessoa tenha possibilidade de se sentar, se quiser. A boa educação requer que, se possível, se lhe envie alguém em boas condições para
lhe fazer sala durante o tempo em que estiver obrigada a aguardar.
Deve-se largar tudo para receber a pessoa que vem visitar; se for uma pessoa de condição distinta ou com quem não se tem nenhuma familiaridade, deve-se tirar a roupa de
dormir, a touca, deixar a refeição, e não ter a espada nos flancos, caso se está em condições de usá-la, e também o manto sobre os ombros.
Assim que se for avisado de que alguma pessoa a quem devemos muito respeito vem nos visitar, deve-se ir até a porta, ou se ela já entrou, ir o mais longe que se puder para a receber. Deve-se lhe mostrar a máxima honra possível, introduzi-la e fazê-la sentar-se no lugar de honra. É uma honra que se deve prestar em casa não
somente às pessoas da mais alta qualidade, mas também a toda outra pessoa que não seja empregado ou inferior.
Mas quando se for visitado por uma pessoa de alta qualidade, ou que seja muito superior, se esta pessoa manifesta o desejo de que se omita parte das deferências que se tem por ela, não se deve teimar em continuar. A cortesia pede que então se mostre, por uma inteira submissão a essa pessoa, que ela tem todo o poder em nossa casa.
Se a pessoa que faz a visita nos surpreende no quarto, é preciso levantar-se prontamente, se estivermos sentados, largar tudo para lhe fazer companhia e abster-nos de toda atividade até que ela
tenha saído; mas, no caso de estarmos de cama, precisamos ficar deitados.
Em casa devemos ceder o lugar mais honroso mesmo aos iguais: não se deve pressionar um inferior a tomar um lugar que ele não pode aceitar sem faltar a seu dever.
É falta de educação deixar as visitas ficarem de pé; sempre se
deve oferecer-lhes os assentos mais honrosos e mais cômodos, e se houver assentos mais e menos honrosos e cômodos, os que são mais devem ser apresentados às pessoas do grupo, mais qualificadas, deve-se também prestar-lhes mais honra do que aos
outros; não se deve sentar até que a pessoa que está visitando esteja sentada e tomar o assento de menor honra do que o dela.
Quando alguém aparece na hora da refeição e entra no quarto, é de boa educação oferecer-lhe a comer; mas também é educado da parte de quem visita, agradecer gentilmente, se a pessoa visitada está à mesa: um como outro devem se contentar com isso e como
um não deve pressionar, o outro não deve aceitar a oferta que lhe é feita.
Nas visitas e nas conversações, especialmente nas visitas que se recebem, nunca se deve manifestar que se está aborrecido com a conversa, perguntando, por exemplo, Que horas são? Contudo, se houver alguma coisa urgente a fazer, se poderia com jeito, fazê-lo entrar na conversa.
A cortesia requer que nos adiantemos às pessoas com quem estamos, especialmente as que vieram visitar, no que pode lhes ser de utilidade: saindo para lhes abrir as portas, retirar o que poderia
impedir-lhes a liberdade, levantar um tapete, tocar a sineta, bater à porta, juntar alguma coisa que houvesse caído, trazer luz. E, se for uma pessoa com dificuldade para caminhar, a boa educação quer que lhe demos a mão para lhe ajudar a caminhar. Todos devem
esforçar-se
nestas coisas e em outras semelhantes, mas uma pessoa à qual se visita tem uma obrigação especial de o fazer para com a pessoa que a visita. Se ela não cumprisse esse dever, passaria como muito descortês.
Quando as pessoas que vieram visitar saem da casa, deve-se conduzi-las para além da casa. Se a pessoa que se conduz deve subir na carruagem, não se deve deixá-la antes de ter conseguido subir, e se for uma mulher, deve-se ajudar a subir.
Mas, se formos uma pessoa pública, como uma autoridade do Estado, um magistrado, um procurador, que esteja ocupado, pode-se dispensar-nos de o acompanhar o visitante. Seria até um ato de discrição pedir que a pessoa visitada não saia de seu quarto ou de seu gabinete.
Quando se está com várias pessoas e algumas delas saem e as outras ficam, se a pessoa que sai é mais importante do que a que permanece, deve-se acompanhá-la; se for inferior, deve-se deixá-la sair e permanecer com as outras, mas pedindo-lhe desculpas;
se ela for de mesma condição, convém examinar qual ou quais, tudo considerado, são as a quem devemos mais, e acompanhar ou fazer companhia às que são superiores.
Também é de boa educação não deixar voltar sozinha, em especial de noite, uma pessoa jovem que veio visitar e mora longe, neste caso deve-se acompanhá-la pessoalmente ou pô-la nas mãos de
pessoas seguras.