SEGUNDA PARTE
Da cortesia nas ações comuns e ordinárias
CAPÍTULO IV.
Da alimentação
ARTIGO II
Das coisas que se usam quando se está à mesa
À mesa usamos um guardanapo, um prato, uma faca, uma colher e um garfo. Seria inteiramente contra boa educação não utilizar alguma destas coisas ao comer.
A pessoa mais qualificada do grupo deve ser a primeira a
desdobrar seu guardanapo e as demais devem aguardar que a primeira tenha aberto o seu, para abrir o delas. Quando as pessoas são mais ou menos iguais, todos o devem abrir juntos sem cerimônias.
Ao desdobrar o guardanapo é preciso estendê-lo bem sobre a roupa para não as manchar ao comer e convém que ele cubra a roupa até o peito.
É descortês utilizar o guardanapo para enxugar o suor do rosto e mais ainda esfregar com ele os dentes, e uma das faltas mais grosseiras contra a civilidade seria usá-lo para se assoar. Também é
inconveniente limpar as travessas e os pratos com o guardanapo.
O uso que se pode e deve fazer de seu guardanapo, quando se está à mesa, é utilizá-lo para limpar a boca, os lábios e os dedos. Para limpar a faca antes de cortar o pão e a colher e o garfo depois de se
servir deles, se estão sujos.
Se os dedos estiverem bastante sujos, convém limpá-los primeiro num pedacinho de pão, que depois se deve deixar no prato, antes de enxugá-los no guardanapo, para não o manchar demais e não o deixar todo sujo.
Quando a colher, o garfo ou a faca estão sujos ou com gordura, é descortês lambê-los, e não assenta de forma alguma enxugá-los na toalha ou qualquer outra coisa. Neste caso e em outros semelhantes deve-se utilizar o guardanapo. No que se refere à toalha deve-se ter cuidado de a manter sempre muito limpa, de não deixar cair nela nem água, nem vinho, nem caldo, nem
carne, nem nada que a possa manchar.
Depois de ter aberto o guardanapo deve-se ter cuidado de ter seu prato diante de si e a faca, o garfo e a colher estejam no lado direito, para que se possa pegá-los fácil e comodamente.
Se o prato estiver sujo, deve-se evitar raspá-lo com a colher ou o garfo, para o limpar, e menos ainda limpar, com os dedos, o guardanapo ou o fundo de um prato, isto seria muito vil; deve-se, ou não tocar nele, ou então trocá-lo, se não for difícil e pedir um outro.
Quando se trocam ou se retiram os pratos deve-se deixar que a pessoa encarregada faça seu trabalho sem disputar com ela e sem a mandar embora para outra pessoa mais qualificada: sempre se deve permitir, sem nada dizer, que retirem o serviço e receber o prato
que é apresentado.
Contudo, se numa troca de pratos for servido alguém antes de uma pessoa que lhe é superior, ou se não se der bastante depressa um prato a essa pessoa, sempre se lhe deve apresentar o seu e o passar a ela, contanto que a primeira não tenha se servido daquele prato.
Quando se está à mesa não se deve ficar todo o tempo com a faca na mão. Basta pegá-la quando for o momento de a usar..
Também é muito descortês levar um pedaço de pão à boca enquanto se segura a faca e pior ainda é usar a ponta da faca para isso. O mesmo se deve observar ao
comer maçãs, pêras ou algumas outras frutas.
Também é contra a boa educação agarrar o garfo ou a colher como se segura um bastão; é preciso segurá-los sempre entre o polegar e o indicador.
Nunca se deve segurá-los com a mão esquerda para os levar à boca.
Também nunca é permitido lambê-los depois de ter comido o que estava em cima ou dentro deles, mas tomar corretamente o que há neles e deixar o menos possível.
Quando se toma a sopa ou alguma coisa com a colher, não se deve enchê-la demais, por receio de que caia alguma coisa sobre a roupa ou a toalha, pois isto é coisa de glutão. Ao retirar a colher da tigela, do prato ou da bacia, deve-se passar de leve com ela sobre a
borda, para fazer cair as gotas de caldo que poderiam ficar debaixo da colher.
Não se deve usar o garfo para levar à boca coisas líquidas e que se poderiam derramar; é a colher que é destinada para tomar essa espécie de coisas.
A cortesia requer que sempre se utilize o garfo para levar a carne à boca, porque a boa educação não permite tocar com os dedos alguma coisa com gordura, algum caldo ou coisa xaroposa; e, se alguém o fizesse, não poderia se dispensar de cometer depois várias
faltas de cortesia, como seria enxugar muitas vezes os dedos no guardanapo, o que o sujaria muito e deixaria emporcalhado, ou enxugar os dedos com seu pão, o que não se pode permitir a uma pessoa bem nascida e bem educada
Quando se quiser devolver uma colher, um garfo ou uma faca a quem a emprestou para alguma necessidade, é de educação limpá-los cuidadosamente com o guardanapo, a menos que se a dê a um empregado para os lavar no aparador: depois se deve
colocá-los corretamente num prato limpo, para os apresentar à pessoa da qual se os recebeu.
São João Batista de La Salle (1651-1719)
São João Batista de La Salle (1651-1719)