Da maneira de convidar, pedir, receber ou comer quando se está à mesa.

AS REGRAS DE CORTESIA


SEGUNDA PARTE
Da cortesia nas ações comuns e ordinárias

CAPÍTULO IV.
Da alimentação

ARTIGO III
Da maneira de convidar, pedir, receber ou comer quando se está à mesa.
Não convém que qualquer um se intrometa para convidar os outros a comer, quando se está à mesa; o dono ou a dona da casa o devem fazer, os demais não devem tomar essa liberdade. 
Isto se pode fazer de duas maneiras: 
1º. Por palavras, com muita gentileza. 
2º. Apresentando as iguarias que se sabe serem ou poderem ser mais ao gosto das pessoas a quem se as servem.
Quando se trata de certas pessoas, deve-se ter o cuidado de as estimular e animar de tempos em tempos a comerem bem, e é preciso fazê-lo com um rosto e um gesto alegre, que persuada os convidados de que é de boa vontade que são tratadas. Contudo não se deve fazê-lo com demasiada freqüência, nem insistência
demais, isto seria muito importuno e incômodo aos outros.
Também se pode convidar os outros a beberem, contanto que seja honesta e moderadamente sem insistir. O Sábio diz que não se deve incitar os que gostam de vinho, porque o vinho perdeu a muita gente; e que é uma infelicidade e vergonha ao mesmo tempo
ver uma pessoa que se deixou ir à intemperança e ao excesso de vinho.
Parece que seria melhor e mais conforme à educação cristã convidar ninguém a comer a não ser quando se lhe oferecem as iguarias no prato, nem estimular alguém a beber, mas tomar cuidado somente que de tempos em tempos seja oferecido aos que estão à mesa, e caso eles se abstiverem, não pedir.
Pedir alguma coisa de que mais se gosta, quando se está à mesa, e sinal de que se é escravo da boca; mas uma das maiores grosserias é pedir o melhor pedaço.
Se quem serve os pratos perguntar o que se deseja, responde-se ordinariamente: O que lhe aprouver, e nunca pedir nada em particular. Contudo, se pode pedir uma iguaria de preferência a outra, contanto que não seja algum prato especial ou
extraordinário, ou alguma guloseima; mas é muito melhor pedir absolutamente nada, quer ao se servir a si mesmo, quer ao aguardar que seja apresentado.
Quando um outro apresenta alguma iguaria que não se quer comer, deve-se agradecer gentilmente, dando a conhecer que não se precisa de nada.
Como é descortês pedir alguma coisa à mesa, também é cortês aceitar tudo o que se serve, mesmo quando se tivesse repugnância a comê-lo. Também nunca se deve manifestar que não se gosta de comer alguma coisa do que está na mesa e é completamente contra a boa educação dizê-lo. Já que essa espécie de aversão muitas vezes é apenas imaginária, seria fácil corrigi-la, se a pessoa quisesse fazer-se um pouco de violência, especialmente enquanto é jovem. E um meio sem dúvida muito fácil para o fazer seria sofrer fome
por alguns dias, porque a fome faz achar bom tudo, e muitas vezes coisas que uma pessoa não consegue se decidir a comer quando não está com fome. Também se deve tomar cuidado de não procurar tanto seguir seus apetites, mas quanto possível, acostumar-se a
comer de tudo e por isso fazer que lhe sirvam mais vezes iguarias para as quais se tem aversão, especialmente depois de ter tido algum tempo sem comer; e, caso não se tomam essas precauções, quando está à mesa, a pessoa se coloca em situação de ser
muito incômoda para os outros, principalmente aos que servem.
Se a repugnância ao que se serve é tão grande que não se consegue vencer, não se deve por isso recusar o que é apresentado, mas, depois de o ter tomado gentilmente, sem manifestar nada, deve-se
deixá-lo no prato, e quando os outros não o tiverem notado, pedir que retirem o que não se pode comer. Se o que se serve à mesa é alguma coisa líquida ou de gordura, não se deve recebê-lo com a mão, mas é de boa educação apresentar seu prato, segurando-o com a mão esquerda, e, segurando a faca ou o garfo com a direita, para apoiar em cima o que é servido em caso de necessidade: neste caso deve-se receber com gratidão o que se apresenta, aproximando seu prato em direção à boca, como para o beijar, e fazendo ao mesmo tempo uma inclinação gentil.
Quando alguém serve a carne cortada, é falta de educação apresentar o prato com precipitação, para ser servido por primeiro; este seria um sinal e um efeito de grande gulodice. Deve-se aguardar que aquele que serve a ofereça e então apresentar o prato para receber o que é apresentado. Contudo, se aquele que serve
saltar a vez de um outro que está acima de nós, é conveniente escusar-nos de receber a oferta. Mas se insistir em aceitá-lo, deve-se imediatamente apresentá-lo à pessoa que foi saltada, ou à pessoa mais qualificada, contanto que ela mesma que não o apresente.
Se a pessoa que serve é superior ou mais qualificada, é preciso descobrir-se somente na primeira vez que ela apresentar alguma coisa e não o fazer mais depois.
Pão, frutas, amêndoas açucaradas, ovos frescos, ostras em casca, podem ser pegados com a mão, e neste caso deve-se pegar essas coisas beijando a mão e estendê-la para facilitar a ação da pessoa que serve.