SEGUNDA PARTE
Da cortesia nas ações comuns e ordinárias
CAPÍTULO IV.
Da alimentação
ARTIGO VI
Da maneira de tomar a sopa
A sopa é servida de duas maneira diferentes: quando é servida em comum, é colocada num prato e quando é servida a uma pessoa em articular, é servida numa escudela. Isto também se pratica nas famílias, especialmente para com as crianças e as pessoas
enfermas.
Seria uma grosseria servir a sopa na escudela quando se oferece um almoço a alguém; neste caso deve-se pô-la numa sopeira e colocar ao lado várias colheres, de acordo com o número de convidados que devem se servir para tirar a sopa dessa sopeira e pô-la em seu prato.
É uma falta de educação pegar a sopa da sopeira com sua colher para a tomar e pegar cada vez com a própria colher o que se quer levar à boca para comer; mas deve-se tomar a sopa com uma das
colheres que estão junto da escudela e colocá-la depois na mesma sem a levar à boca; em seguida deve-se usar sua própria colher para tomar o que está no prato.
Se não houver colher com a escudela, deve-se usar a própria para tirar a sopa, depois de a ter enxugado bem
antes.
Quanto à maneira de tomar a sopa numa tigela, é descortês sorvê-la da tigela como faria um doente, tomá-la pouco a pouco com a colher. Também é uma grande descortesia tomar a tigela por uma das alças e derramar o resto do caldo que está dentro dela depois
de ter tomado a sopa.
Também é muita falta de educação segurar a escudela pela alça com a mão esquerda, como por medo de que um outro a tome.
A cortesia requer também que não se faça ruído com a tigela e a colher, ao tomar a sopa, e que não se raspe com força um e outro lado para juntar o resto de pão que ficou no fundo da tigela.
Embora não seja bom limpar a tigela até que não fique mais nada dentro dela, é de educação não deixar sopa dentro dela. Deve-se comer tudo o que há na tigela e tudo o que se pôs no prato; o mesmo não acontece com a sopeira, porque seria uma falta de
educação esvaziá-la inteiramente; e não se deve tomar o resto da sopa quando sobra um pouco.
Depois de tomar tudo o que há na tigela deve-se devolvê-la a quem está servindo ou colocá-la em algum lugar da mesa em que ela não incomode ninguém. Mas nunca se deve pô-la no chão.
Ao tomar a sopa deve segurar corretamente o garfo com a mão esquerda e usá-lo para ajeitar a sopa na colher para que não caia ao levá-la à boca.
É uma grande falta de educação fazer ruído com os lábios ao inspirar o ar, quando se coloca a colher na boca
ou com a garganta antes de engolir.
Deve-se pôr a sopa na boca e engolir com tal reserva que não se ouça o menor ruído.
A sopa deve ser tomada bem calmamente, de modo que não se manifeste qualquer avidez nem pressa, porque é um sinal ordinário que se tem muita fome ou muito apetite. Numa palavra, seria manifestar evidentemente a gula.
Inconveniente é tomar em duas vezes o que está na colher quando se deixa ainda alguma coisa ao retirá-la da boca; mas muito mais descortês é pegar mais sopa do prato quando ainda sobrou algum resto na colher da colherada anterior. Deve-se tomar de uma só
vez o que está na colher e se leva à boca e não em várias vezes seguidas.
O meio para agir assim é não encher demais a colher quando se toma a sopa, o que é uma grande falta de educação ao comer. Porque encher demais a colher obrigaria a cometer duas faltas de educação: uma, de abrir extraordinariamente a boca para fazer a colher entrar até o fundo; a outra, de tomar várias vezes o que
se deve tomar de uma só vez, além de se expor ao perigo de deixar cair alguma coisa sobre a toalha, no guardanapo, ou mesmo sobre a roupa, ao levar a colher à boca, o que seria muito ruim.
A modéstia que se deve guardar quando se está à mesa, não pode permitir inclinar inconvenientemente o corpo sobre a colher quando se leva a sopa à boca; mas permite ainda muito menos esticar demais a língua quando se aproxima a colher da boca. Contudo pode-se inclinar um
pouco para não deixar cair alguma coisa da
colher e não sujar a roupa; mas deve-se tomar o cuidado de abaixar-se apenas um pouco.
Quando a sopa ou o que se está comendo está quente demais, deve-se evitar soprar, quer sobre a sopeira, quer sobre a tigela, quer sobre a colher ao levá-la à boca. Isto é completamente contra a
educação. É melhor aguardar um pouco até que esfrie; pode-se, porém, remexê-la delicada e elegantemente com a colher.
São João Batista de La Salle (1651-1719)
São João Batista de La Salle (1651-1719)