Da alimentação

AS REGRAS DE CORTESIA


SEGUNDA PARTE
Da cortesia nas ações comuns e ordinárias

CAPÍTULO IV.
Da alimentação
É uma inclinação tão natural para o homem procurar o prazer no beber e no comer, que São Paulo, ao exortar os cristãos a fazerem todas as suas ações por amor e para a glória de Deus, se sentiu obrigado a se referir particularmente ao beber e ao comer, pois é
muito difícil comer sem ofender a Deus e a maioria dos homens só come como os animais, e para sua satisfação.
Contudo não é menos contrário à boa educação do que contra as regras do Evangelho manifestar-se apegado ao beber e ao comer. Conforme a expressão de São Paulo, isto seria pôr sua glória no que nos deveria ser causa de vergonha. Por isso é próprio de uma pessoa honesta falar pouco desta ação e do que a ela se refere. E quando alguém está obrigado a falar disso, deve fazê-lo sobriamente e com circunspeção de maneira que manifeste que não lhe tem qualquer apego e que, de forma alguma, procura os pedaços melhores.
Não é honesto nem de boa educação elogiar um banquete ou uma refeição de que se participou, nem dos que foram os convivas e sentir prazer em enumerar os pratos servidos ou o que se ofereceu para comer.
Uma das maiores censuras e das mais injuriosas que os judeus podiam fazer, embora injustamente, a Nosso Senhor, foi que ele gostava de vinho e de mesa. Esta também é a que mais magoa uma pessoa honesta e com razão, porque nada revela mais baixeza
de espírito. E este primeiro efeito dos excessos da boca, conforme a Palavra de Jesus Cristo é tornar pesado o coração e a conseqüência funesta do excesso de vinho, conforme São Paulo, é que leva à impureza.
Não há nada mais contrário à boa educação do que sempre ter em casa a toalha de mesa pronta, porque isto manifesta que em nada mais se tem interesse e nada mais se procura do que encher o ventre
e dele fazer um deus, como diz são Paulo. Com efeito, essa mesa sempre preparada é como um altar sempre pronto para lhe oferecer carnes que são as vítimas que lhe são sacrificadas.
Não menos contra a honestidade é comer e beber a toda hora e sempre estar pronto a fazê-lo; isto é coisa de comilão e de bêbado, ao contrário, próprio do homem honesto e educado é regular de tal modo a hora e o número das refeições de modo que só um negócio
urgente e extraordinário possa mudar o horário, ou quando tiver obrigação de fazer companhia a alguma pessoa não esperada, o façam comer fora da hora regulamentar.
Como há pessoas que todos os dias, ou pelo menos muitas vezes, têm encontros com seus amigos para o dejejum ou para a merenda e que nessas refeições comem e bebem em excesso, é dever do
cristão que quer levar uma vida regular desligar-se de tais companhias.
A prática mais ordinária das pessoas bem educadas, ao tomarem o dejejum, é tomar um pedaço de pão e beber um copo ou dois; fora disso é preciso contentar-se com o jantar ou o almoço, como é
costume entre as pessoas educadas e regulares, que julgam que essas duas refeições são suficientes para satisfazer as necessidades da natureza.
É falta de boa educação, e aliás revela uma pessoa do campo, apresentar a beber aos que nos visitam e instigá-los a fazê-lo, a não ser quando alguém, ao chegar do campo, queimado do sol, tiver
necessidade de apagar a sede. Se acontece que alguém nos apresenta de beber fora dessa necessidade, não devemos tomá-lo e nos desculpar o mais delicadamente possível.
No que se refere aos banquetes, às vezes é de educação oferecê-los e participar deles, mas que seja muito raramente e como por uma espécie de necessidade. É o que São Paulo nos dá a entender quando nos diz que não vivamos em banquetes: ele quer que os banquetes não sejam magníficos nem dissolutos, isto é, que não haja demasiada abundância e diversidade de pratos e que não haja excesso. Nisto as regras da cortesia estão de acordo; como também as da moral cristã, da qual nunca nos é permitido afastar-nos,
nem sequer por complacência e condescendência para com o próximo; pois isto seria uma caridade incorreta e um puro respeito humano.