MODÉSTIA Do Rosto

AS REGRAS DE CORTESIA
1 Parte-DA MODÉSTIA


CAPÍTULO IV

Do Rosto

O Sábio diz que pela aparência do rosto se conhece um homem de bom senso. Por isso cada qual deve fazer de modo a manter o rosto de tal maneira que possa ao mesmo tempo tornar-se amável e edificar o próximo por seu exterior.

Para ser agradável aos outros deve-se não ter nada de repelente no rosto. Também nada deve aparecer de bravio nem de selvagem. Tudo nele deve ter um ar de ponderação e sabedoria. Também não é

cortês ter um rosto melancólico e zangado. Nunca se deve ter alguma coisa que represente a paixão ou alguma afeição desregrada.

O rosto deve ser alegre sem negligência nem dissipação. Deve ser sereno, sem ser demasiado livre; aberto sem dar sinais de demasiada familiaridade.

Deve ser meigo sem moleza e sem fazer algo que pareça baixeza; mas deve dar a todos o testemunho de respeito ou pelo menos de afeição e benevolência.

Entretanto é conveniente manter o rosto de acordo com os diferentes negócios e ocasiões que se apresentam. Pois como se deve sentir com o próximo e mostrar pelo que aparece no rosto, de que se toma parte no que o toca, por isso não se deve ter um rosto alegre e sorridente quando se conta uma notícia triste, ou quando aconteceu um acidente desagradável a alguém; mas também não se deve ter um rosto sombrio quando alguém diz alguma coisa agradável e que deve causar alegria.

Acerca de seus próprios negócios, um homem bem educado deveria procurar sempre ser o mesmo e ter um rosto sempre igual, pois como a adversidade não deve abatê-lo, a prosperidade não deve alegrá-lo.

Deve ter um rosto sempre tranqüilo que não muda facilmente de disposição e de movimento, conforme o que lhe acontece de agradável ou desagradável.

Essas pessoas cujo rosto muda a cada ocasião que se apresenta são muito molestas e tem-se bastante dificuldade para as suportar. Ora aparecem com um rosto risonho, ora com um rosto e um ar melancólico; às vezes ele indica inquietação, outras vezes, ardor.

Tudo isto revela numa pessoa que ela não tem virtude e que não trabalha para dominar suas paixões, e que suas maneiras de agir são absolutamente humanas naturais, e de maneira alguma conformes ao espírito do cristianismo.

Também não se deve ter um rosto alegre e livre diante de toda sorte de pessoas.

É cortesia manifestar pelo rosto muita reserva quando se está com pessoas a quem se deve grande respeito e é de boa educação ter sempre um ar sério e grave na presença delas. Também é prudente não ter um rosto aberto demais diante dos inferiores, especialmente dos empregados; e se estamos obrigado a ter bondade e condescendência para com eles, também é importante não se familiarizar com eles.

Quanto às pessoas com quem se é livre e com quem se conversa ordinariamente convém terem um rosto mais risonho com elas para permitir assim mais facilidade e agrado à conversa.

Uma questão de limpeza é limpar todas as manhãs o rosto com um lenço branco para tirar a sujeira. Menos bom é lavar o rosto com água, pois isto torna-o mais susceptível ao frio no inverno e ao calor no verão.

Esfregar e tocar-se em qualquer parte do rosto mesmo com as mãos nuas, principalmente quando não há necessidade, é uma falta de boa educação. Mesmo se houver alguma necessidade de o fazer, como para retirar uma sujeira, deve-se fazê-lo levemente com a

ponta do dedo e quando se está obrigado a enxugar o rosto em tempo de calor, deve-se para isso usar o lenço e não se esfregar com força, nem com as duas mãos.

Não é cortês deixar sujeiras ou barro no rosto; contudo não se deve nunca limpá-lo na presença dos outros; e se a pessoa está em sociedade, deve cobrir o rosto com o chapéu para retirá-los.

Uma coisa muito inconveniente e que manifesta um excesso de vaidade que não convém aos cristãos é colocar moscas (pintas) no rosto e pintá-lo com o uso de pó branco ou vermelho.

   São João Batista de La Salle (1651-1719)