Palavras de Cristo à esposa dando uma
explicação do capítulo anterior,e sobre o ataque do demônio ao cavaleiro
previamente mencionado e sobre sua terrível e justa condenação.
Livro
2 - Capítulo 9
Toda a extensão dessa vida é somente uma
hora para mim. Assim, o que estou te dizendo agora sempre esteve em minha
presciência. Falei-te anteriormente sobre um homem que iniciou na cavalaria, e
sobre outro que desertou dela como um infame. O homem que desertou das fileiras
da verdadeira cavalaria jogou seu escudo sobre meus pés e sua espada a meu
lado, quebrando suas promessas e votos sagrados. O escudo que ele jogou
simboliza nada mais do que a verdadeira fé pela qual ele se defenderia dos
inimigos de sua alma e da fé.
Os pés, com os quais caminho em direção
à humanidade, simbolizam nada mais do que o deleite divino pelo qual atraio uma
pessoa a mim e a paciência com a qual constantemente o sustento. Ele jogou este
escudo ao chão quando entrou em meu santuário, pensando consigo mesmo: quero
obedecer ao senhor que me aconselhou a não praticar abstinência, aquele que me
deixa ouvir coisas agradáveis aos meus ouvidos. Foi dessa maneira que ele jogou
ao chão o escudo da minha fé por querer seguir seu desejo egoísta ao invés de
mim, por amar a criatura mais do que o Criador.
Se ele tivesse tido uma fé correta, se
tivesse acreditado que Eu sou todo-poderoso, um correto juiz e doador de glória
eterna, ele não teria desejado nada além de mim, não teria temido nada além de
mim. Porém, ele jogou sua fé aos meus pés, desprezando-a e contando-a como
nada, porque ele não procurou me agradar e não teve consideração à minha
paciência. Então ele jogou sua espada ao meu lado. A espada simboliza nada mais
que o temor a Deus, que o verdadeiro cavaleiro de Deus deve continuamente ter
em suas mãos, ou seja, em seus atos. Meu lado simboliza nada mais que o cuidado
e proteção com os quais Eu protejo e defendo meus filhos, como uma galinha
protegendo seus pintinhos, para que o demônio não lhes faça mal e que nenhuma
tentação insuportável venha sobre eles.
Mas aquele homem jogou fora a espada do
meu temor sem se incomodar em pensar em meu poder e sem ter nenhuma consideração
por meu amor e paciência.
Ele a jogou no chão ao meu lado, como se
dissesse: “Eu não temo e nem ligo para a sua defesa. Eu consegui o que tenho
através de meus próprios atos e minha nobre descendência”. Ele quebrou a
promessa que fez a mim. Qual é a verdadeira promessa pela qual um homem está
ligado por votos a Deus? Com certeza, são as ações de amor; qualquer coisa que
uma pessoa faz, deve fazer por amor a Deus. Mas, isso ele pôs de lado, ao
trocar seu amor a Deus pelo amor-próprio; preferiu seu egoísmo ao deleite
futuro e eterno.
Dessa forma, ele se separou de mim e
deixou o santuário da minha humildade. O corpo de qualquer cristão guiado pela
humildade é meu santuário. Aqueles guiados pelo orgulho não são meu santuário,
são o santuário do demônio que os conduz na direção do desejo mundano com seus
próprios propósitos. Tendo saído do templo da minha humildade, e tendo
rejeitado o escudo da santa fé e a espada do temor, ele caminhou orgulhosamente
para os campos, cultivando toda cobiça e desejo egoísta, desprezando o temor a
mim e crescendo em pecado e luxúria.
Quando chegou ao final de sua vida e sua
alma deixou o corpo, os demônios saíram para encontrá-lo. Três vozes do inferno
puderam ser ouvidas falando contra ele. A primeira disse: “Não é este o homem
que desertou da humildade e nos seguiu no orgulho? Se seus pés puderam levá-lo
ainda mais alto em orgulho a ponto de nos ultrapassar e ter a primazia em
orgulho, ele foi rápido em fazer isso”. A alma respondeu: “Eu sou este homem”.
A Justiça respondeu: “Esta é a recompensa pelo seu orgulho: você descerá de
mãos dadas com um demônio até alcançar a parte mais baixa do inferno. E dado
que não há demônio que não saiba seu castigo particular e o tormento a ser
infligido por cada pensamento e ato desnecessário, nem tu escaparás do castigo
nas mãos de cada um deles, mas partilharás da malicia e maldade de todos eles”.
A segunda voz gritou, dizendo: “Não é este o homem que se afastou de seu
serviço professo a Deus e uniu-se às nossas fileiras?”
A alma respondeu: “Eu sou este homem”. A
Justiça disse: “Esta é tua agregada recompensa: que cada um que imitar tua
conduta como cavaleiro se unirá à tua punição e sofrimento pela tua própria
corrupção e dor, e irá lhe golpear na sua vinda com uma ferida mortal. Tu serás
como um homem atormentado por uma severa ferida, realmente serás como um
atormentado com ferida após ferida, até que teu corpo esteja repleto de
feridas, que causam sofrimento intolerável e lamentarás constantemente tua
sorte. Mesmo assim, experimentarás miséria após miséria. No auge de tua dor,
ela será renovada, e tua punição nunca acabará e tua angústia nunca diminuirá”.
A terceira voz gritou: “Não é este o homem que trocou seu Criador pelas
criaturas, o amor de seu Criador por seu próprio egoísmo?” A Justiça respondeu:
“Certamente é ele”.
Assim, dois buracos serão abertos nele.
Através do primeiro entrará cada punição merecida desde seu menor pecado até o
maior deles, na medida em que trocou seu Criador por sua própria luxúria.
Através do segundo, entrará cada tipo de dor e vergonha, e nenhuma consolação
divina ou caridade entrará nele, na medida em que amou a si mesmo em lugar de
seu Criador. Viverá eternamente e sua punição durará para sempre, pois todos os
santos se afastaram dele”. Minha esposa, veja quão miseráveis serão essas
pessoas que me desprezam, e quão grande será a dor que eles compraram ao preço
de tão pequeno prazer!”