SEGUNDA PARTE
Da cortesia nas ações comuns e ordinárias
CAPÍTULO VI
Das visitas

ARTIGO I
Da obrigação que a cortesia impõe de fazer visitas
e das disposições que se deve ter para isso.
Para quem vive no mundo não é possível dispensar-se de fazer algumas vezes uma visita ou recebê-la; esta é uma obrigação que a cortesia impõe a todos os seculares.
A Santa Virgem até, embora oculta em sua casa, fez uma visita a sua prima Isabel, e parece que o Evangelho a conta bem desenvolvida, só para que ela possa ser modelo das nossas. Jesus Cristo também fez várias visitas por simples movimento de caridade, sem qualquer obrigação.
Para conhecer e discernir bem em que ocasiões se deve fazer visitas, é preciso persuadir-se que a cortesia cristã deve orientar-se nisto apenas pela justiça e a caridade. Ela não pode exigir que se façam visitas a não ser pela necessidade ou para manifestar respeito
para com alguém ou para manter a união e a caridade.
As ocasiões em que a cortesia, fundada sobre a justiça, quer que se faça uma visita, são: quando, por exemplo, um pai tem um filho ou um filho tem um pai doente, são
obrigados tanto um como o outro a visitar o que está doente, para prestar-lhe os deveres da piedade
e da justiça cristã, como também a cortesia exige deles.
Quando alguém tem ódio e aversão para com alguma outra pessoa, tanto um como o outro, de acordo com o Evangelho, são obrigados a se visitar para se reconciliarem e viverem em perfeita paz.
A cortesia cristã se orienta pela caridade nas visitas que se fazem, quer para contribuir para a salvação do próximo, de qualquer maneira que seja, ou para prestar algum serviço temporal, ou para lhe manifestar seu respeito, se for inferior, ou para conservar com ele uma união perfeitamente cristã.
Sempre foi em vista de alguma destas intenções e por algum destes motivos que Jesus Cristo Nosso Senhor agiu nas visitas que fez; porque era converter as almas a Deus, como na visita que fez a Zaqueu, ou para ressuscitar os mortos, como quando foi visita Santa Marta depois da morte de Lázaro, e quando foi à casa do chefe da sinagoga; ou para curar um doente, como quando foi à casa de São Pedro, e na casa do centurião, embora fizesse todos esses milagres somente para conquistar os corações para Deus ou para manifestar amizade e bem-querer, como na última visita que fez
às Santas Marta e Maria Madalena.
Portanto, não é permitido a uma pessoa honesta e correta fazer continuamente visitas ora a um ora a outro; pois, a sabedoria divina diz que infeliz é a vida de quem se hospeda de casa em casa e faz um grande número de visitas inúteis, como fazem certas pessoas. É perder um tempo preciosíssimo que Deus nos dá somente para o
empregar para o céu.
Nas visitas que se fazem deve-se tomar cuidado para que não sejam longas demais, isto em geral é um enfado ou incômodo ou incomoda os outros.
A respeito das pessoas a quem se deve visitar, deve-se ter cuidado que não vivam na deboche ou na libertinagem, e que não manifestem nada em suas palavras que manifeste impiedade ou falta de religião.
A cortesia não pode suportar que se tenha comunicação com esta espécie de pessoas.
Quando se faz uma visita a uma pessoa a quem se deve ter consideração e a que merece respeito, é preciso tomar o cuidado de usar roupa interna branca e limpa e prever também o que é que se tem a dizer-lhe.
Se alguém deve transmitir um recado a alguma pessoa que vai visitar, deve prestar atenção especial ao que diz, e se não foi ouvido bem ou não bem compreendido, deve-se dá-lo a conhecer com
educação, pedindo perdão, para que o repita ou o faça compreender melhor. Contudo é próprio da cortesia agir de tal maneira que nunca se esteja obrigado a repetir a
ninguém o que se acaba de falar.
São João Batista de La Salle (1651-1719)
São João Batista de La Salle (1651-1719)