Da maneira de se haver ao andar pelas ruas e nas viagens de carruagem e a cavalo

AS REGRAS DE CORTESIA


SEGUNDA PARTE
Da cortesia nas ações comuns e ordinárias


CAPÍTULO IX

Da maneira de se haver ao andar pelas ruas e nas viagens de carruagem e a cavalo

Ao andar pelas ruas é preciso prestar atenção para caminhar nem lentamente nem depressa demais.

A lentidão no andar é sinal de peso ou de negligência; mas andar rápido demais é mais inconveniente pois é mais contra a modéstia.

Não é bom ficar parado nas ruas, mesmo para falar com alguém, a menos que haja alguma necessidade, e mesmo então deve-se fazê-lo por pouco tempo.

Em viagem com uma pessoa a quem se deve respeito, a cortesia pede que nos acomodemos a tudo, achemos tudo bom, não causemos aborrecimentos em nada, nunca nos façamos esperar, sempre estejamos prontos a prestar serviço a todos os outros. Há gente que, em viagem, nunca acha que tem boa cama, julga tudo ruim e nada bem feito, sempre está incomodando os outros.

Se na viagem acontece que sejamos obrigados a dormir no quarto com uma pessoa a quem devemos respeito, a civilidade requer que a deixemos despir-se e deitar-se em primeiro lugar e depois nos despir em lugar afastado e perto da cama em que devamos deitar,

depois deitar mansamente e sem fazer qualquer ruído durante a noite.

A honestidade exige também que, assim como nos deitamos por último, nos levantemos por primeiro, porque não é cortês que uma pessoa que se deve honrar nos veja sem roupa, nem alguma peça de nossa roupa espalhada por ali.

Ao chegar ao lugar de pernoitar é muito mal educado correr para os quartos ou às camas para escolher os melhores. Seria muito descortês se uma pessoa de situação social muito abaixo de outra

tomasse para si o que há de bom e cômodo num alojamento ruim, sem se incomodar que os outros tenham menos conforto.

Ao subir numa carruagem sempre se deve tomar o assento pior quando se é de situação inferior à pessoa com que se sobe.

Numa carruagem normalmente há dois assentos no fundo e dois na frente; o primeiro assento é o da direita do fundo e o segundo é o da esquerda; e no caso de haver três assentos, o terceiro é o do meio. Se houver duas portas, o primeiro lugar está na direita e o segundo à esquerda e os assentos do lado do fundo são os principais.

Se subirmos a uma carruagem com uma pessoa de posição social superior ou que devemos honrar, o respeito para com ela exige que a deixemos subir em primeiro lugar e subirmos por último. Contudo, se essa pessoa mandar que subamos na carruagem antes dela, embora não se deva fazê-lo sem muita insistência, devemos aceitar com manifestação de nos fazer violência, em seguida, sentar-nos no último assento e não tomar um assento melhor se não formos forçados a isso.

Podemos e devemos colocar-nos no fundo da carruagem, se a pessoa de posição com a qual estamos o mandar, e colocar-nos perto dela, se o deseja; porque não é permitido sem ordem expressa. Também não é cortês tomar o assento dianteiro frente a frente com ela; mas devemos retirar-nos para a esquerda de modo que fiquemos de lado dela e não colocar o chapéu sem que

ela insista.

Ao andar de carruagem é muito descortês olhar na face de quem quer que seja das pessoas que ali se encontram; apoiar-se contra o encosto e encostar-se em qualquer lugar. Deve-se manter o corpo ereto e modesto, os pés juntos quanto possível; não cruzar as

pernas e não colocá-las perto demais das dos outros, a não ser que se esteja muito apertado e não se possa fazer de outra maneira.

Também é muito indecente e totalmente descortês cuspir na carruagem e quando se for obrigado a cuspir nela, deve-se fazê-lo no lenço; e no caso de cuspir pela porta, o que não é bem correto,

exceto quando sentado, deve-se então levar a mão à face para a cobrir.

Ao sair de uma carruagem, a civilidade exige que se desça por primeiro sem esperar que alguém o diga, a fim de oferecer a mão à pessoa de posição quando ela descer, homem ou mulher, para lhe ajudar a baixar. Também se deve descer pela porta mais próxima, se não houver inconveniente, mesmo se não houver ninguém para abrir a porta, é de conveniência apressar-se para o fazer. Quando uma pessoa de qualidade ao descer da carruagem mandar permanecer nela para o aguardar ali, é de boa educação descer ao

mesmo tempo do que ela, tanto por respeito, quanto para lhe ajudar e subir em seguida. Deve-se também descer quando ela quiser voltar à carruagem e subir depois.

Quando alguém está na carruagem e se encontra num lugar por onde passa o Santíssimo Sacramento, deve baixar do carro e ficar de joelhos; se for uma procissão ou um enterro, ou o Rei, a Rainha, os príncipes mais próximos do sangue real, ou as pessoas de caráter ou dignidade eminente, é dever e respeito parar o carro até que eles tenham passado; permanecendo os homens sem chapéu e as mulheres com a máscara levantada.

Não é educado subir na carruagem ou montar a cavalo diante de uma pessoa para com a qual se deve ter consideração. Se não se consegue educadamente que ela se retire antes de subir ou montar, convém estacionar a carruagem ou o cavalo mais adiante até

que não sejam mais vistos e subir então.

Quando se está a cavalo com uma pessoa que se deve honrar, a boa educação requer que se deixe que ela monte primeiro e ajudá-la nisso e segurar o estribo.

Assim como ao estar a pé, deve-se lhe ceder o primeiro lugar e andar um pouco atrás dela, ajustando o ritmo com o dela. Contudo, se está do lado do vento e se joga poeira sobre essa pessoa, se deveria trocar de lugar.

Ao encontrar um riacho, um vau ou um lodaçal a atravessar, é dever e razão passar em primeiro lugar, e quando se estiver atrás e tiver de passar depois da pessoa a quem se deve respeito, é preciso afastar-se dela suficientemente, para que o cavalo não jogue água

ou lama sobre ela. Quando essa pessoa galopar, deve-se tomar cuidado para não andar mais depressa do que ela e não querer mostrar as boas qualidades de seu cavalo, exceto se essa pessoa o mandar expressamente.

 São João Batista de La Salle (1651-1719)