Da maneira de pedir a bebida e de beber, quando se está à mesa

AS REGRAS DE CORTESIA
SEGUNDA PARTE
Da cortesia nas ações comuns e ordinárias

CAPÍTULO IV.

Da alimentação
ARTIGO IX

Da maneira de pedir a bebida e de beber,

quando se está à mesa

É totalmente contra a boa educação ser o primeiro a pedir a bebida, a não ser que se seja a pessoa mais importante do grupo, caso contrário deve-se aguardar que os de condição superior tenham bebido primeiro.

Também é uma falta de respeito para com os comensais pedir bebida em voz alta, sempre se deve pedir em voz baixa; e melhor ainda pedi-la por sinais.

Também é falta de respeito pedir a beber quando se oferece a alguém do grupo. Se há somente uma pessoa que serve, não se deve pedir de beber, até achar que ninguém mais vai pedir e todos tenham bebido; melhor ainda, se possível, é aguardar a sua vez

para beber, a menos que o dono da casa lhe mande servir.

É falta de cortesia receber bebida ou pedi-la do lado de uma pessoa que se deve honrar; neste caso deve-se tomar o cálice e se fazer servir do outro lado.

Quando se apresenta de beber a alguém, ele deve enxugar seus dedos com seu guardanapo e depois tomar o cálice pelo pé, e não no meio; deve também tomar cuidado para que quem serve não sirva mais do que ele pode beber de uma vez, e que o cálice não

esteja tão cheio que a bebida chegue a derramar na toalha ou na roupa.

Sempre se deve enxugar a boca com o guardanapo antes de beber e nunca beber antes de ter tomado a sopa; muito menos permitido é fazê-lo enquanto se está comendo; até nem é honesto beber

logo depois de ter comido; deve-se aguardar que se tenha comido um pouco dos outros pratos servidos.

A boa educação quer que se enxugue bem a boca com o guardanapo e se a esvazie completamente antes de beber para não engordurar o copo o que é muito sujo. E é muito descortês beber de boca cheia ou antes de ter acabado de comer: deve-se também evitar fazer longos discursos de copo na mão; é muito melhor

não falar desde que se encheu o copo até que se tenha bebido. Não é menor falta de educação considerar com atenção o que se quer beber, e é ainda pior degustar o vinho antes de beber e se intrometer para dizer sua opinião sobre ele.

É muito melhor beber simplesmente sem cerimônias, pois não é de boa educação manifestar que se é conhecedor de vinhos.

Ao beber pode-se baixar um pouco a cabeça para não derramar alguma coisa sobre si mesmo; mas é preciso endireitar-se em seguida. Contudo, é melhor manter sempre a cabeça ereta enquanto se bebe.

Não se deve beber lentamente demais como quem está chupando ou saboreando com gosto o que está engolindo; também não depressa demais, como fazem os sensuais. Deve-se beber lenta e pausadamente embora de uma só tragada, sem voltar a inspirar e

beber em várias vezes. Ao beber deve-se olhar para o copo e sempre beber tudo o que está nele sem deixar resto.

A cortesia não permite beber de cabeça descoberta, sempre se deve estar coberto quando se bebe; ela também não quer que se esteja de olhos esbugalhados, olhando para todos os lados durante esse tempo. Não se deve tirar o olhar do copo nem fazer ruído com a garganta ao beber e assim possibilitar a contagem dos goles que são engolidos.

Depois de ter bebido, é descortês soltar um grande suspiro para retomar o ar. Deve-se evitar qualquer ruído ao terminar de beber, nem sequer com os lábios. Logo depois de ter bebido é preciso enxugar a boca como se devia ter feito antes de beber.

É muito descortês beliscar nas jarras e chupar o copo ao beber. Sempre se deve tomar cuidado de não beber demasiadas vezes e não beber vinho puro. A boa educação requer que sempre haja muita água misturada com o vinho.

Não é educado beber quando alguém a nosso lado está bebendo, e muito menos fazê-lo enquanto a pessoa mais importante do grupo segura o copo na mão; deve-se aguardar que tenha bebido.

Se no momento em que se está obrigado a responder a um superior este leva o copo à boca, deve-se aguardar até ele ter bebido, para continuar a falar. O mesmo se deve observar quando uma pessoa, seja quem for, está bebendo e nunca lhe falar enquanto bebe.

Apresentar a uma pessoa um cálice de vinho do qual já se bebeu é uma coisa muito mal educada. Fazer brindes a uns e a outros para os obrigar a beber mais é uma prática que cheira a taberna e que não é costume entre pessoas honestas; aliás, nem se deveria beber

facilmente para brindar aos outros, a menos que se esteja com seus amigos mais familiares e que se brinde para manifestar amizade ou reconciliação. As crianças, principalmente, não devem brindar a ninguém, exceto se receberem ordem.

Não é qualquer um que deve brindar a uma pessoa de posição muito superior à sua, e, se algumas vezes é permitido fazê-lo, não deve se dirigir diretamente à pessoa a quem se brinda, dizendo, por

exemplo, Senhor, à sua saúde; deve dirigir-se a uma outra, dizendo assim: Senhor, vamos brindar à saúde do Senhor… Ainda mais descortês seria acrescentar o sobrenome da pessoa importante, ou o nome de sua posição, falando a ela mesma, ou bebendo à saúde de
sua mulher ou de alguém de seus parentes ou parentas, dizendo: Senhor, à saúde da Senhora, sua mulher, sua irmã, do Senhor, seu irmão. Deve-se nomear a mulher por sua posição ou pelo sobrenome de seu marido e os outros, quer pelo sobrenome, ou por alguma posição, se tiverem, dizendo, por exemplo: à saúde da Senhora Louvier, do Senhor Presidente, ou Conselheiro.

Quem faz um brinde a outra pessoa presente, deve inclinar-se educadamente para ela e esta, a quem se brinda, deve agradecer a quem brindou inclinando-se tanto quanto exige a posição daquele que lhe presta essa homenagem, e beber em seguida à saúde daquele que bebeu à sua, inclinando-se um pouco, sem se

descobrir.

Se uma pessoa de alta posição brinda à saúde de outra de posição inferior, a pessoa a quem se dirige deve manter-se descoberta e se inclinar um pouco sobre a mesa até que essa pessoa tenha acabado de beber e não tomar a mesma quantidade, exceto se ela mandar; mas isto não se deve fazer, se a pessoa que bebe não for de uma posição muito superior à outra.

   São João Batista de La Salle (1651-1719)