SEGUNDA PARTE
Da cortesia nas ações comuns e ordinárias
CAPÍTULO III
Do Vestuário
ARTIGO PRIMEIRO
Da limpeza e da Moda da Roupa
A limpeza na roupa é uma das coisas que dizem respeito à cortesia. Ela serve até muito para dar a compreender o espírito e a vida de uma pessoa; também muitas vezes dá uma boa idéia de sua virtude,
o que não é sem fundamento.
Para que a roupa seja apropriada é preciso que convenha à pessoa que a veste e proporcionada a seu tamanho, sua idade e sua condição.
Nada é mais repelente do que uma roupa que não convém ao tamanho da pessoa que a usa, isto desfigura completamente um homem, especialmente quando é ampla demais e quando tem uma largura ou comprimento maior do que convém à pessoa que a usa.
Ordinariamente é melhor que uma roupa seja mais curta e mais estreita do que deveria ser, do que ser larga e longa demais.
Também é preciso que uma roupa seja própria à idade da pessoa para a qual foi feita, porque não assenta bem que uma criança vista como um jovem, nem que a roupa de um jovem não seja mais florida do que a de um ancião.
Por exemplo, seria contra a cortesia que um rapaz de 15 anos
fosse vestido de preto, exceto se for eclesiástico ou se esteja preparando para sê-lo dentro de pouco tempo. Seria ridículo que um jovem que
pensa em casar usasse uma roupa tão simples e despojada como a de um velho de setenta anos. O que convém a um, com certeza não convém ao outro.
Não é menos importante que a pessoa que manda confeccionar uma roupa tenha cuidado de sua condição. Pois não assentaria bem que um pobre viesse vestido como um rico e que um plebeu quisesse vestir como uma pessoa de qualidade.
Há certos vestuários, tais como as vestes unidas, de pano preto que não deve ser demasiado fino e que são de uso corrente e que podem ser usadas por qualquer pessoa, exceto os pobres, embora pareça mais de boa educação que os operários deixem as roupas de pano para as pessoas que são de uma condição elevada acima da deles.
No que se refere ao vestuário com alguns enfeites, eles convém somente a pessoas de condição elevada.
Uma roupa com galões de ouro ou de pano precioso só pode assentar bem numa pessoa de qualidade e um trabalhador braçal que quisesse usar algo desse tipo, seria alvo de zombaria; além de fazer um gasto certamente desagradável a Deus, por estar acima do que pede sua condição, e do que suas posses lhe podem permitir. Também seria muito descortês se um lojista usasse um chapéu com plumas e uma espada no flanco.
Também as mulheres devem fazer que seus vestidos estejam conforme sua condição; e, se pode ser tolerável que uma mulher de qualidade use uma saia com bordados de ouro, tal não convém de maneira alguma a uma cristã; isto seria inconveniente para uma
burguesa; ela também não poderia ter um colar de pérolas finas ou algum diamante de certo quilate, sem se erguer acima de sua condição.
A maior negligência no vestuário não está menos em evitar do que na demasiada curiosidade.
Estes dois excessos são igualmente censuráveis, o afeto a eles é contrário à Lei de Deus, que condena o luxo e a vaidade no vestir e em todos os enfeites exteriores. A negligência no vestuário é sinal de que não se presta atenção à presença de Deus, ou então que não se tem bastante respeito para com Ele. Ela manifesta também
que não se tem respeito a seu próprio corpo, o qual porém se deve honrar como Templo animado do Espírito Santo e o Tabernáculo em que Jesus Cristo tem a bondade de querer repousar muitas vezes.
Se, portanto, se quiser ter um vestuário que seja correto, deve-se seguir o costume do lugar e vestir mais ou menos como as pessoas de sua condição e de sua idade. Contudo, é importante tomar cuidado para que não haja nem luxo nem qualquer coisa supérflua
no vestuário, e se deve evitar tudo o quanto fosse pomposo e ressinta mundanismo.
O que pode dar a melhor regra para se vestir corretamente é a moda; é indispensável segui-la, pois a inteligência
humana está muito sujeita à mudança; e o que lhe agradava ontem, não lhe agrada mais hoje. Por isso inventaram-se e ainda se inventam todos os dias diferentes maneiras de se vestir para satisfazer esse
espírito de mudança; e quem quisesse vestir-se como a gente se vestia há trinta anos, passaria por ridículo e por esquisito. Entretanto a conduta de um homem honesto é nunca se distinguir em nada.
Moda é o nome que se dá à maneira
na qual se fabrica o vestuário no tempo presente. É preciso conformar-se a ela tanto para o chapéu e ao tecido, como para as peças de roupa. Seria contra a boa
educação que um homem usasse um chapéu de copa alta ou aba larga, quando toda a gente usa chapéu baixo e aba curta.
Contudo não se deve entrar em primeiro lugar nas modas; há algumas que são caprichosas e extravagantes, como há outras que são razoáveis e honestas. Assim como não se deve fazer oposição a
estas, não se deve seguir indiscretamente as outras que ordinariamente somente são seguidas por um pequeno número de pessoas e não são de longa duração.
A regra mais segura e razoável tocante à moda é não ser o inventor dela, os primeiros a usá-la, e não aguardar que não haja mais ninguém que a segue, para abandoná-la.
Para os eclesiásticos, sua moda deve ter um exterior e roupa de acordo com os eclesiásticos mais piedosos e regulares em sua conduta, seguindo nisso o conselho que São Paulo dá, que é: não se conformar com o mundo.