Da boca, dos lábios, dos dentes e da língua

AS REGRAS DE CORTESIA
1 Parte-DA MODÉSTIA


CAPÍTULO VIII

Da boca, dos lábios, dos dentes e da língua

A boca não deve estar nem aberta nem fechada demais. E quando se come, nunca se deve ter a boca bem cheia, mas deve-se comer com tal moderação que se possa estar em condições de falar facilmente e ser ouvido distintamente, quando se apresentar a ocasião.

As boas maneira pedem que a boca sempre esteja limpa e para isso convém lavá-la todas as manhãs. Mas não é de boa educação fazê-lo à mesa, nem em presença dos outros.

A cortesia não permite ter qualquer coisa na boca e não quer que se segure alguma coisa entre os lábios, nem entre os dentes. Por isso, quando se escreve, não se deve fazer isto com a pena, nem com

flores em qualquer momento que seja.

É de mau gosto apertar demais os lábios, ou até mordê-los, e nunca se deve mantê-los abertos. Mas é insuportável fazer beicinho e caretas. O modo correto de manter os lábios é mantê-los sempre juntos um contra o outro delicadamente e sem constrangimento.

Não é cortês fazer tremer os lábios quando se fala, nem em qualquer outra ocasião. Sempre se deve mantê-los fechados e não os mover ordinariamente a não ser para comer ou para falar.

Algumas vezes há pessoas que levantam o lábio superior e abaixam o inferior de tal modo que os dentes aparecem às vezes por inteiro. Isto é totalmente contra as boas maneiras que proíbem que se vejam os dentes descobertos, visto que a natureza os cobriu com os

lábios para o manter ocultos.

Deve-se ter cuidado de manter os dentes sempre muito limpos, porque é indigno que apareçam pretos, com impurezas ou cheios de sujeira. Por isso deve-se limpá-los de tempos em tempos, especialmente de manhã depois de ter comido; contudo isto não se deve fazer à mesa diante da gente, o que seria faltar contra a

cortesia e o respeito.

É preciso tomar muito cuidado para não usar as unhas ou os dedos ou uma faca para limpar os dentes.

A cortesia manda usar um instrumento feito expressamente para isso que se chama palito, ou a ponta de pena talhada para esse fim, ou então um pano grosso.

Ranger ou bater com os dentes é não saber o que significa cortesia; também não se deve fechá-los firme ao falar, nem falar entre os dentes. Este é um defeito que se deve corrigir abrindo a boca quando se fala com alguém.

É uma grandíssima falta de civilidade apontar um dente com o polegar para significar um desdém ou desprezo de alguma pessoa ou coisa. E pior ainda, ao fazê-lo, é dizer: Não me preocupo dela mais do que disto.

Vergonhoso e indigno de uma pessoa bem nascida é estirar a língua por desprezo ou para recusar o que um outro pede; e é descortês fazê-la chegar à borda dos lábios e movê-la fazendo-a passar de lado ao outro. Não é menos incivil colocar o lábio inferior sobre o superior para dali retirar a água ou o muco saído do nariz e levá-lo depois à boca. Para os que são tão mal educados a ponto de caírem nesta espécie de defeitos seria bom que se servissem de um espelho

para se corrigirem, porque, sem dúvida alguma, não agüentariam ver-se fazer coisas tão vergonhosas sem as condenar.

Portanto, a cortesia exige que a língua esteja sempre fechada pelos dentes e nunca saia dali, pois este é o recinto que a natureza lhe deu.

   São João Batista de La Salle (1651-1719)