SEGUNDA PARTE
Da cortesia nas ações comuns e ordinárias
CAPÍTULO VII
Dos entretenimentos e da conversa
ARTIGO I
Das condições que a Cortesia exige para acompanharem nossas palavras
Seção I (O original usa
§ em vez de Seção nas outras
divisões deste Artigo)
Da verdade e da sinceridade que a cortesia exige nas Palavras
A honestidade não pode sofrer que se diga alguma falsidade; requer, pelo contrário, que segundo o conselho de São Paulo, cada um diga a verdade ao falar com seu próximo. E, segundo a opinião da sabedoria divina, ela faz
considerar a mentira como mancha
vergonhosa num homem, e a vida dos mentirosos como uma vida sem honra, sempre acompanhada de confusão. Ela também
quer, com o mesmo Sábio, que a mentira em que se tivesse incorrido por fraqueza ou por ignorância, não fique sem confusão.
Isto faz com que o Profeta Rei, tão bem instruído nas regras da civilidade como da verdadeira piedade, diz que se alguém quiser que seus dias sejam felizes, deve vigiar sua boca para não falar mentiras. E o Sábio quer que
consideremos a mentira como coisa
tão detestável a ponto de dizer que um ladrão é melhor do que um homem que mente a toda hora, porque a mentira se encontra sempre na boca das pessoas desordenadas. Pode-se até dizer que basta entregar-se à mentira, sem qualquer outro vício, para em breve se tornar pessoa desregrada e a razão é a que Jesus Cristo
dá quando, para inspirar mais horror à mentira, disse que o diabo é o
autor e o pai da mentira.
Já que a mentira é algo tão vergonhoso, tudo o que dela por pouco se aproxima é contrário à boa educação. Assim, quando alguém nos pergunta ou quando falamos com alguém, não é educado usar
palavras equívocas e de duplo sentido, em geral nessas ocasiões é mais educado desculpar-se com simplicidade por não responder, quando temos a impressão de que honestamente não podemos dizer a verdade ou o que se pensa, do que ser dúbio nas palavras. Porque a língua dupla, diz o Sábio, atrai grande confusão. Também é o que São Paulo condena nos eclesiásticos como coisa que neles não se pode suportar.
É preciso ser especialmente circunspeto nas palavras quando alguém nos confiou um segredo. Seria uma grande imprudência descobri-la, mesmo quando recomendássemos a quem o confiamos, não o dizer a ninguém; mesmo quando quem no-lo confiou não nos
tivesse impedido dizê-lo aos outros. Pois, como diz muito bem o Sábio quem revela os segredos de seu amigo, perde toda credibilidade e se coloca em situação de nunca encontrar um amigo conforme seu coração. Ele chega a considerar essa falta como muito maior do que uma injúria a seu amigo, dizendo que, depois de uma injúria ainda há possibilidade de reconciliação, mas quando uma alma é tão infeliz até revelar os
segredos de seu amigo, não lhe resta mais esperança alguma de volta e é em vão que ele
procuraria reconquistá-lo.
É uma grande falta de cortesia usar disfarce diante de uma pessoa a quem se deve respeito. É um sinal de pouca confiança consideração para com um amigo. E não é de nenhuma forma de boa educação usar de fingimento com quem quer que seja e servir-se para isso de alguma maneira de falar ou de algum termo que não se possa entender sem estar obrigado a explicar-lhe o sentido.
É muito sem graça falar em sociedade, a uma pessoa em particular, e usar expressões que os outros não compreendem. Sempre se deve fazer entender a todos os do grupo tudo o que se fala. Se uma pessoa tiver algum segredo a confiar a alguém, deve aguardar
para isso até que esteja separada dos outros, ou, se for urgente, retirar-se para algum canto do lugar em que está e o dizer, depois de ter pedido licença ao grupo.
Como acontece bastantes vezes que se contam notícias falsas, é preciso tomar extremo cuidado para não as divulgar facilmente, a menos que se tenha certa segurança de que são verdadeiras. Nunca se deve dizer também de quem se as ouviu, caso se tiver receio de
que quem as disse não iria gostar.
Precisamos esforçar-nos a nos tornar tão sinceros em nossas palavras, de modo que consigamos a reputação de ser dignos de fé e pessoa de palavra da qual se pode estar seguro e sobre quem se pode repousar. Este também é um conselho que o Sábio nos dá e que ele
considera como de importância guardar a palavra e agir com fidelidade para com o próximo: e nada produz mais honra para uma pessoa do que a sinceridade e a fidelidade em suas promessas; e nada também a torna mais desprezível do que faltar à palavra.
Como ser cortês é ser fiel nas palavras, também é uma grande imprudência falar levianamente e sem ter pensado bem antes, se a promessa pode ser cumprida facilmente.
Por isso nunca se deve fazer alguma promessa em cuja conseqüências não se tenha pensado bem e sem ter examinado seriamente se a pessoa não se vai arrepender.
Se acontecer que os outros não quiserem acreditar em que se lhes diz, não se deve ficar pesaroso por isso, e muito mais ainda, ter acessos de impaciência até dizer palavras duras e fazer censuras:
porque os que não estão convencidos pelas razões, o acreditarão ainda menos pela paixão.
Vergonhoso é para um homem usar de fraudes e trapaças em suas palavras. Os que o fazem colocam-se em situação de não terem mais nenhuma credibilidade entre as pessoas e incorrem numa espécie de infâmia e são chamados de velhacos.
Conforme o livro de Sabedoria, os sonhos são apenas a reprodução da imaginação; por isso nunca é educado contar seus
sonhos, por mais bonitos e santos que possam ser. Contá-los também é sinal de pouco espírito.
São João Batista de La Salle (1651-1719)
São João Batista de La Salle (1651-1719)