AS REGRAS DE CORTESIA E DE CIVILIDADE CRISTÃ
Dividida em duas Partes
Para uso das escolas Cristãs
Por São João Batista de La Salle
PREFÁCIO
É surpreendente que a maioria dos cristãos considere a cortesia e a civilidade apenas como qualidade puramente humana e mundana, e ao não pensarem em elevar mais alto seu espírito, não a
considerem como virtude que tem relacionamento com Deus, com o próximo e consigo mesmo. Isto manifesta o pouco conhecimento acerca do Cristianismo que há no mundo e quão poucas pessoas há que nele vivem e se conduzem segundo o espírito de Jesus Cristo1.
Contudo é somente este espírito que deve animar todas as ações para torná-las santas e agradáveis a Deus. ela também é uma obrigação de que São Paulo nos adverte ao falar da pessoa dos primeiros cristãos, que como devemos viver pelo espírito de Jesus Cristo, devemos conduzir-nos também em todas as coisas pelo mesmo espírito.
Como - de acordo com o mesmo Apóstolo - não há nenhuma de vossas ações que não deva ser santa, também não há nenhuma que não deva ser feita por motivos puramente cristãos. E assim todas as nossas ações exteriores
que são as únicas que podem ser
regulamentadas pela cortesia, devem sempre ter e trazer com a fé um caráter de virtude.
É o que os pais e as mães estão obrigados a tomar em consideração na educação de seus filhos, e é ao que os educadores e educadoras, encarregados da instrução das crianças, devem prestar uma atenção
especial.
Ao lhes darem as regras de cortesia, nunca devem esquecer de lhes ensinar que é preciso pô-las em prática somente por motivos puramente cristãos e que se referem à glória de Deus e à salvação. Bem longe de dizer às crianças, que dirigem, que se não fizerem tal coisa, serão censuradas; que não se terá estima por elas; que serão levadas a ridículo; coisas todas que somente servem para lhes inspirar espírito do mundo e para as afastar do espírito do Evangelho.
Quando quiserem levá-las a práticas exteriores que se referem à atitude do corpo e à simples modéstia, terão cuidado de as exortar por motivos da presença de Deus, de que se serve S. Paulo para o mesmo fim, ao advertir os Fiéis de seu tempo, que sua modéstia devia aparecer a todos os homens, porque o Senhor estava perto deles, isto é dizer por respeito pela presença de Deus diante do qual estavam. Se lhes ensinam e mandam fazer práticas de decência que se referem ao próximo, as incitarão a manifestar sinais de bemquerer, honra e respeito somente como a membros de
Jesus Cristo.
É assim que S. Pedro exorta os primeiros fiéis, aos quais
escreveu que amassem seus Irmãos, e manifestassem a cada um a honra que lhe é devida, a fim de se mostrarem verdadeiros servos de Deus, ao
mostrarem que é a Deus que honram na pessoa do próximo.
Se todos os cristãos se colocarem em situação de somente darem sinais de bem-querer, estima e respeito com esta intenção e por motivos dessa natureza, santificarão por esse meio todas as suas ações e darão lugar a distinguir devidamente a Cortesia e a
Civilidade Cristã da que é puramente mundana e quase pagã; e viverão assim como verdadeiros cristãos, que têm maneiras exteriores como as de Jesus Cristo e conformes a sua profissão. Eles se distinguirão dos infiéis e dos cristãos de nome, como diz Tertuliano, que se reconheciam os cristãos de seu tempo por seu
exterior e por sua modéstia.
A Civilidade Cristã é, pois, um comportamento honesto e regulado que se manifesta nas palavras e nos atos exteriores por um sentimento de modéstia, ou de respeito, ou de união e caridade para com o próximo, prestando atenção ao mesmo tempo, aos lugares e às pessoas com que se conversa. E é esta Cortesia que se
refere ao próximo que se chama propriamente Civilidade.
Nas práticas da Cortesia e da Civilidade deve-se prestar atenção ao tempo, pois algumas que se usavam nos séculos passados, ou até em alguns anos atrás, e que o não são mais hoje. Quem quisesse ainda fazer uso delas passaria por pessoa extravagante, bem longe
de ser
considerada como pessoa educada e honesta.
No que se refere à cortesia também é preciso conformar-se com o que se pratica nos países em que se vive e em que uma pessoa se encontra, porque cada nação tem suas maneiras de cortesia que lhe são particulares, o que faz com que com muita freqüência o
que é inconveniente em um país é considerado como cortês e correto em outro.
Há coisas até que a Cortesia exige em alguns lugares especiais e que são inteiramente proibidas em outros lugares, pois o que se precisa fazer na casa do Rei ou mesmo no próprio quarto dele não se deve fazer em outro lugar, porque o respeito que se deve ter pela
pessoa do Rei exige que se tenha certas deferências na casa dele que não se devem ter na casa de um indivíduo particular.
Também é preciso comportar-se de maneira diferente em nossa casa; e na das pessoas que se conhecem e na das pessoas que não se conhecem.
Portanto, já que a Cortesia exige que se tenha e se manifeste um respeito particular para com uns o que não é obrigatório e até seria contra a Cortesia manifestar a outros, quando alguém se encontra ou conversa com alguém, deve prestar atenção para a qualidade dele para o tratar e agir com ele segundo essa qualidade exige.
É preciso considerar-se a si mesmo e aquilo que se é, pois quem é inferior a outros está obrigado a ter submissão para com os que lhe são superiores, quer pelo nascimento,
quer pelo emprego, quer pela
qualidade, e testemunhar-lhes muito mais respeito do que se fosse um outro inteiramente seu igual.
Um homem do campo, por exemplo, deve manifestar exteriormente mais respeito a seu patrão do que um artesão que não depende deste; e este artesã deve manifestar mais respeito a esse senhor, do que um outro cavalheiro que o visitasse.
A Cortesia e a Civilidade não consistem propriamente apenas em práticas de modéstia e de respeito para com o próximo e como a modéstia se manifesta de maneira particular na atitude e no respeito
para com o próximo, nas ações ordinárias que se praticam quase diariamente em presença dos outros, por isso decidiu-se tratar neste Livro de duas coisas em separado. 1º Da modéstia que deve aparecer no porte e na atitude das diferentes partes do corpo. 2º Dos sinais exteriores de respeito ou de afeto especial que se devem manifestar nas diferentes ações da vida a todas as pessoas em presença das quais se realizam e com quem se possa
ter relações normais.São João Batista de La Salle (1651-1719)