A Imitação de Cristo - III. DA CONSOLAÇÃO INTERIOR- Capitulo 20
20. Da confissão da própria fraqueza, e das misérias desta vida
- A ALMA: Confesso contra mim mesmo minha maldade (Sl 31,5),
confesso, Senhor, minha fraqueza. Muitas vezes a menor coisa basta
para me abater e entristecer. Proponho agir valorosamente, mas assim
que me sobrevém uma pequena tentação, vejo-me em grandes apuros. Às
vezes é de uma coisa mesquinha que me vem grave aflição. E quando
me julgo algum tanto seguro, vejo-me, não raro, vencido por um sopro,
quando menos o penso.
- Olhai, pois, Senhor, para esta minha baixeza e fragilidade, que conheceis
perfeitamente. Compadecei-vos de mim e tirai-me da lama, para que
não fique atolado (Sl 68,18) e arruinado para sempre. É isto que a
miúdo me atormenta e confunde em vossa presença: o ser eu tão inclinado
a cair, e tão fraco a resistir às paixões. E embora não me levem ao
pleno consentimento, muito me molestam e afligem seus assaltos, e
muito me enfastia o viver sempre nesta peleja. Nisto conheço minha
fraqueza, que mais depressa me vem do que se vão essas abomináveis
fantasias da imaginação.
- Ó poderosíssimo Deus de Israel, zelador das almas fiéis, olhai para
os trabalhos e dores de vosso servo, e assisti-lhe em todos os seus
empreendimentos! Confortai-me com a força celestial, para que não
me vença e domine o homem velho, a mísera carne, ainda não inteiramente
sujeita ao espírito, contra a qual será necessário pelejar enquanto
estiver nesta miserável vida. Ai! que vida é esta, em que nunca faltam
as tribulações e misérias, em que tudo está cheio de inimigos e ciladas!
Porque mal acaba um tribulação ou tentação, outra já se aproxima,
e até antes de acabar um combate, muitos outros já sobrevêm, e inesperados.
- E como se pode amar uma vida cheia de tantas amarguras, sujeita a
tantas calamidades e misérias? Como se pode chamar vida o que gera
tantas mortes e desgraças? E, não obstante, muitos amam e procuram
nela deleitar-se. Muitos acoimam o mundo de enganador e vão, e ainda
assim lhes custa deixá-lo, porque se deixam dominar pelos apetites
da carne. Muitas coisas nos inclinam a amar o mundo, outras a desprezá-lo.
Fazem amar o mundo a concupiscência da carne, a concupiscência dos
olhos e a soberba da vida; mas as penas e as misérias que estas coisas
se seguem geram o ódio e aborrecimento do mundo.
- Infelizmente, o vil deleite vence a alma mundana, que julga delícia
o estar em meio dos espinhos (Jó 30,7), porque nunca viu nem provou
a doçura de Deus, nem a intrínseca suavidade da virtude. Mas aqueles
que perfeitamente desprezam o mundo e procuram viver para Deus, em
santa disciplina, experimentam a doçura divina, e mais claramente
conhecem os erros grosseiros do mundo e seus vários enganos.