A Vida Mística de Francisco e Jacinta de Fátima
Dom Lourenço Fleichman OSB
Lúcia, Jacinta e Francisco
eram, antes de 1916, crianças católicas do vilarejo de Aljustrel, na diocese de
Leiria, Portugal. Brincavam como todas as crianças, gostavam de jogos e de
dançar animados, enquanto pastoreavam as ovelhas da família. Viviam um catolicismo
verdadeiro, porém como muitas crianças, limitavam-se ao mínimo necessário.
Lúcia conta que às vezes, para que o terço passasse mais depressa, em vez de
rezar as orações completas, limitavam-se a dizer: Pai Nosso, Ave Maria, Ave
Maria, Ave Maria.... Ora, para que estas alminhas, inocentes e comuns, pudessem
ter a honra de ver Nossa Senhora, um anjo lhes aparecerá por três vezes,
fazendo dessas crianças verdadeiras almas de oração.
Vamos acompanhar a
transformação.
Estamos em 1916.
Na primavera deste ano
(março ou abril), Lúcia, Jacinta e Francisco estavam na Loca do Cabeço
pastoreando as ovelhas quando viram um ser luminoso vindo em sua direção. Ele
tinha os traços de um rapaz de 14 a 15 anos. O anjo lhes disse:
«Não tenham medo. Rezem
comigo».
E num gesto de grande
familiaridade e simplicidade, pôs-se ao lado das crianças e prostrando-se com o
rosto por terra disse esta oração:
«Meu Deus eu creio,
adoro, espero e amo-Vos; peço-Vos perdão para os que não crêem, não adoram, não
esperam e Vos não amam.
Orai assim; os Corações
de Jesus e Maria estão atentos à voz das vossas súplicas» (2ª Memória).
E o anjo desapareceu.
Esta primeira aparição do
anjo foi como uma aproximação do sobrenatural na vida das crianças. Servirá
para familiariza-las com os seres e os costumes do céu: a adoração, os atos de
fé, esperança e caridade, a reparação e o nome de Deus, deste Deus atento às
suas súplicas. A própria Lúcia, na 4ª Memória, dirá que «Levados por um movimento
sobrenatural, imitamo-lo e repetimos as palavras que o ouvimos pronunciar».
Nossos pastorinhos,
doravante alunos do céu, sentirão imediatamente o peso da presença da vida
sobrenatural. Passarão vários dias num estado de abatimento físico, de
recolhimento, de um silêncio difícil de ser rompido e principalmente de paz
interior.
«Acontece, porém, ainda depois de passado, ficar a vontade tão
embebida e o entendimento tão absorto, que assim permanecem o dia todo e até
vários dias...Quando volta a si, está com tão imensos lucros e tem em tão
pouco as coisas da terra que todas lhe parecem cisco em comparação do que
viu. Daí em diante vive muito penada, e tudo o que lhe costumava causar
prazer não lhe infunde a menor consolação.» - Sta Tereza d'Avila, Castelo
Interior, Sextas Moradas, cap. IV e V
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Tinham dificuldade de
brincar, de falar e até mesmo de se mover. Daí em diante eles passarão várias
horas em oração, prostrados como o amigo do céu, repetindo: Meu Deus eu
creio, adoro, espero e vos amo.... Só muitos dias depois que este estado de
alma diminuirá pouco a pouco.
Eis como nos conta Lúcia,
na 4ª Memória:
«A atmosfera do
sobrenatural, que nos envolveu era tão intensa que quase não nos dávamos conta
da própria existência, por um grande espaço de tempo, permanecendo na posição
em que nos tinha deixado, repetindo sempre a mesma oração. A presença de Deus
sentia-se tão intensa e íntima, que nem mesmo entre nós nos atrevíamos a falar.
No dia seguinte, sentíamos o espírito ainda envolvido por essa atmosfera, que
só muito lentamente foi desaparecendo. Nesta aparição, nenhum pensou em
falar, nem em recomendar segredo. Ela de si o impôs. Era tão íntima, que não
era fácil pronunciar sobre ela a menor palavra. Fez-nos talvez também maior
impressão por ser a primeira assim manifesta».
A segunda aparição foi no
verão deste mesmo ano (julho ou agosto). Será a segunda lição de vida
sobrenatural, centrada sobre o espírito de sacrifício. Após lhes dizer para
rezar muito, o anjo acrescenta:
– Os Corações
Santíssimos de Jesus e Maria têm sobre
vós desígnios de misericórdia. E
acrescenta: Oferecei constantemente ao Altíssimo orações e sacrifícios.
– Como nos havemos de
sacrificar? pergunta Lucia.
– De tudo o que puderes
oferecei a Deus sacrifício em ato de reparação pelos pecados com que Ele é
ofendido, e súplica pela conversão dos pecadores. Atraí, assim, sobre a vossa
Pátria a Paz....sobretudo aceitai e suportai com submissão os sofrimento que o
Senhor vos enviar. (2ª Memória)
Eis, então, que Deus pede
a Lúcia e seus companheiros muito mais do que na primeira vez. É normal que
eles tenham perguntado ao anjo como se sacrificar. Para crianças daquela idade
a palavra sacrifício tem um sentido limitado, infantil. Deus queria que eles
fossem além. Por isso o anjo lhes ensina a se sacrificar, e traz para eles
algumas noções até então ignoradas: ato de reparação pelos pecados, súplica
pela conversão dos pecadores, aceitação das cruzes que Deus nos envia.
Que impressão causou esta
nova lição do anjo, em suas almas? Lúcia nos conta:
«Estas palavras do Anjo
gravaram-se em nosso espírito, como uma luz que nos fazia compreender quem era
Deus; como nos amava e queria ser amado; o valor do sacrifício, e como ele lhe
era agradável; como, por atenção a ele, convertia os pecadores. Por isso, desde
esse momento começamos a oferecer ao Senhor tudo o que nos mortificava, mas sem
discorrermos a procurar outras mortificações ou penitências, exceto a de
passarmos horas seguidas prostrados por terra, repetindo a oração que o Anjo
nos tinha ensinado». (4ª Memória)
Vemos neste texto a origem
da grande mortificação das três crianças. Ela não nasceu de uma vontade mórbida
qualquer, de um fanatismo fabricado pela imaginação; ela não lhes foi inspirada
por nenhum sacerdote exagerado. A luz divina que invadiu suas almas as levou
com mansidão e naturalidade a um conhecimento tal da vida divina, do olhar de
Deus sobre nós, que eles não conseguiriam mais viver sem este espírito e
prática do sacrifício reparador.
É de se notar que os
efeitos da primeira aparição limitam-se a um estado de alma por certa presença
do sobrenatural. Nesta, trata-se de um verdadeiro conhecimento de Deus e de seu
relacionamento com suas almas.
Por aí se vê
que é impossível proceder da imaginação. Também não pode ser obra do demônio,
pois não tem ele poder para apresentar coisas que tanta operação e paz e
sossego e aproveitamento produzem na alma. Especialmente três são os frutos
que deixa em subido grau.
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Primeiro:
conhecimento da grandeza de Deus, a qual se nos dá a entender na medida das
luzes maiores que temos sobre Ele.
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Segundo: conhecimento próprio e humildade, ao ver
como criatura tão baixa em comparação do Criador de tantas grandezas, ousou
ofendê-lo; até mesmo não sabe como se atreve a por nele os olhos.
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Terceiro:
baixo apreço de todas as coisas da terra, com exceção das que lhe podem ser
úteis para serviço de tão grande Deus. - Sta Tereza d'Avila, Castelo
Interior, Sextas Moradas, cap. V
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A terceira aparição do
Anjo levará a formação espiritual das crianças a um ponto altíssimo, onde a
própria comunhão eucarística marcará a Caridade que Deus lhes comunica.
Estavam eles numa gruta de
difícil acesso, para rezar escondidos. Estavam assim, prostrados, repetindo a
oração do Anjo: "Meu Deus eu creio, adoro...etc."
«Não sei quantas vezes
tínhamos repetido esta oração, quando vemos que sobre nós bilha uma luz
desconhecida. Erguemo-nos para ver o que se passava, e vemos o Anjo, tendo na
mão esquerda um cálice, sobre o qual está suspensa uma Hóstia, da qual caem
algumas gotas de sangue dentro do cálice. O Anjo deixa suspenso no ar o cálice,
ajoelha junto de nós e faz-nos repetir três vezes:
– Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, ofereço-Vos
o Preciosíssimo Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Jesus Cristo, presente em
todos os sacrários da terra, em reparação dos ultrajes, sacrilégios e
indiferenças com que Ele mesmo é ofendido. E pelos méritos infinitos do Seu
Santíssimo Coração e do Coração Imaculado de Maria, peço-Vos a conversão dos
pobres pecadores.
Depois levanta-se, toma
em suas mãos o cálice e a Hóstia. Dá-me a Sagrada Hóstia a mim, e o Sangue do
cálice dividiu-O pela Jacinta e o Francisco, dizendo ao mesmo tempo: – Tomai e bebei
o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo, horrivelmente ultrajado pelos homens
ingratos! Reparai os seus crimes e consolai o vosso Deus. E prostrando-se de
novo em terra, repetiu conosco outras três vezes a mesma oração e desapareceu.
Nós permanecemos na mesma atitude,
repetindo sempre as mesmas palavras, e quando nos erguemos vimos que era noite,
e por isso horas de virmos para casa»
(2ª Memória)
Na quarta Memória, Lúcia
dá detalhes sobre as conseqüências desta última aparição do Anjo:
«A força da presença de
Deus era tão intensa que nos absorvia e aniquilava quase por completo. Parecia
privar-nos até do uso dos sentidos corporais por um grande espaço de tempo.
Nesses dias, fazíamos as ações materiais como que levados por esse mesmo ser sobrenatural que a isso nos
impelia. A paz e felicidade que sentíamos era grande, mas só íntima,
completamente concentrada a alma em Deus. O abatimento físico que nos prostrava
também era grande».
Um pouco antes ela
escrevia: «Na terceira aparição a presença do sobrenatural foi ainda
muitíssimo mais intensa. Por vários dias nem mesmo o Francisco se atrevia a
falar. Depois dizia: Gosto muito de ver o Anjo; mas o pior é que depois não
somos capazes de nada! Eu nem andar podia! Não sei o que tinha».
Era tanto o abatimento espiritual
e corporal, era tal o êxtase dessas
crianças, que nem viram a noite chegar: «Apesar de tudo, foi ele (Francisco)
que se deu conta das proximidades da noite. Foi quem disso nos advertiu e quem
pensou em conduzir o rebanho para casa».
Procurei citar toda a
passagem das Memórias de Lúcia devido ao seu caráter eminentemente
sobrenatural. É muito difícil ler estas palavras e dizer que tudo foi invenção.
Os detalhes de vida espiritual são muito fortes. Já estavam as crianças levadas
espiritualmente à oração constante e mortificada. O Anjo lhes ensina uma oração
nova, onde destacamos:
- a adoração à Santíssima Trindade
- o oferecimento de Jesus na Sagrada Hóstia como reparação
- o Imaculado Coração de Maria medianeira de todas as graças, participando dos méritos do Sagrado Coração.
- a adoração à Santíssima Trindade
- o oferecimento de Jesus na Sagrada Hóstia como reparação
- o Imaculado Coração de Maria medianeira de todas as graças, participando dos méritos do Sagrado Coração.
Lúcia conta que recebeu
uma verdadeira hóstia. Jacinta recebe o Preciosíssimo Sangue sabendo que é a
comunhão. Já Francisco não percebe de imediato que está comungando.
Só passados alguns dias,
quando conseguem falar novamente, é que o menino pergunta:
«O Anjo, a ti deu-te a
Sagrada Comunhão; mas a mim e à Jacinta, que foi o que ele nos deu?!
Foi também a Sagrada Comunhão! respondeu a Jacinta
numa alegria indizível. Não vês que era o Sangue que caía da Hóstia?!
E Francisco diz então
estas palavras, que são a prova da veracidade das graças com as quais Deus
enchia estas almas infantis:
«–Eu sentia que Deus
estava em mim, mas não sabia como era!
E prostrando-se por terra, permaneceu por largo tempo,
com sua irmã, repetindo a oração do Anjo: Santíssima Trindade...etc.».
Aqui se lhe comunicam todas três Pessoas, e lhe falam, e lhe dão a
compreender aquelas palavras do Senhor no Evangelho, quando disse que viria
Ele com o Pai e o Espírito Santo a morarem na alma que o ama e guarda os seus
mandamentos... E cada dia se admira mais esta alma, porque lhe parece que as
Pessoas Divinas nunca mais se apartaram dela; antes, notoriamente vê que, do
modo sobredito, as tem em seu interior, no mais íntimo, num abismo muito
fundo; e não sabe dizer como é, porque não tem letras, mas sente em si esta
divina companhia. - Sta Tereza d'Avila, Castelo Interior,
Sétimas Moradas, cap. I
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É
no exemplo vivo desta criança que aprendemos o que muitos espirituais nos
ensinam com palavras humanas e que nos torna difícil a compreensão do que seja
a Santa Comunhão. Que extraordinária ação de graças fazem estas crianças, dias depois de receberem a
comunhão, milagrosamente, das mãos de um Anjo, elevadas a um júbilo
sobrenatural ao compreenderem que era Jesus escondido que os visitara.
A
lição estava dada, a formação espiritual alcançara um grau em que já era
possível que elas entendessem profundamente as graças que a Mãe do Céu viria
lhes dar.
A
história da vida de oração, da vida interior deles, apenas começava. E se foi
com razão que disseram que o grande milagre de Lourdes foi a alma de Santa
Bernadete, podemos dizer o mesmo destas três crianças, ou pelo menos das duas
menores, visto que Lúcia ainda vive.
As aparições de Nossa
Senhora
Chegamos ao dia 13 de maio
de 1917
Comecemos pela descrição
que Lúcia nos faz na sua 4ª Memória. Transcrevo-a toda para os que nunca a
leram. As crianças viram um reflexo de luz no céu, como um relâmpago, e com
medo de uma chuva, vão tocando as ovelhas em direção à casa, quando vêem um
segundo clarão e, logo depois, uma senhora sobre uma carrasqueira «Vestida
de branco, mais brilhante que o sol, espargindo luz mais clara e intensa que um
copo de cristal cheio d'água cristalina, atravessado pelos raios do sol mais
ardente...estávamos tão perto que ficávamos dento da luz que a cercava ou que
ela espargia. Talvez a metro e meio de distância, mais ou menos». Esta
proximidade com a luz que dela saía tem
sua importância pelo que virá.
«– Não tenhais medo. Eu
não vos faço mal.
– De onde é vossemecê? perguntei.
– Sou do Céu.
– E o que é que Vossemecê me quer?
– Vim para vos pedir que venhais aqui seis meses seguidos, no dia 13, a esta mesma hora. Depois vos direi quem sou e o que quero. Depois voltarei ainda aqui uma sétima vez.
– E eu também vou para o Céu? – Sim, vais.
– E a Jacinta? – Também.
– E o Francisco? – Também, mas tem que rezar muitos Terços.»
– De onde é vossemecê? perguntei.
– Sou do Céu.
– E o que é que Vossemecê me quer?
– Vim para vos pedir que venhais aqui seis meses seguidos, no dia 13, a esta mesma hora. Depois vos direi quem sou e o que quero. Depois voltarei ainda aqui uma sétima vez.
– E eu também vou para o Céu? – Sim, vais.
– E a Jacinta? – Também.
– E o Francisco? – Também, mas tem que rezar muitos Terços.»
Depois desta introdução,
que segue com perguntas sobre as amigas de Lúcia já falecidas, Nossa Senhora
dirá o que realmente quer das crianças, dizendo coisas parecidas com as
palavras do Anjo, já conhecidas dos três. Não vemos aqui Nossa Senhora ensinando-os
a rezar ou as crianças perguntando do que se trata. Tudo é claro e rápido:
– «Quereis oferecer-vos
a Deus para suportar todos os sofrimentos que Ele quiser enviar-vos, em ato de
reparação pelos pecados com que Ele é ofendido, e de súplica pela conversão dos
pecadores?
– Sim, queremos.
– Ide pois, ter muito que sofrer, mas a graça de Deus será o vosso conforto.
– Sim, queremos.
– Ide pois, ter muito que sofrer, mas a graça de Deus será o vosso conforto.
Dentro do nosso estudo das
graças místicas das três crianças, temos os seguintes elementos nesta primeira
aparição:
- elas se encontram dentro da luz que emana da Virgem.
- Nossa Senhora lhes pede sofrimentos e eles aceitam já sabendo do que se trata.
- Ela confirma que sofrerão muito e terão o socorro especial da graça de Deus.
- elas se encontram dentro da luz que emana da Virgem.
- Nossa Senhora lhes pede sofrimentos e eles aceitam já sabendo do que se trata.
- Ela confirma que sofrerão muito e terão o socorro especial da graça de Deus.
O que segue, é a
conseqüência disso:
«Foi ao pronunciar as
últimas palavras que abriu pela primeira vez as mãos, comunicando-nos uma luz
tão intensa, como que reflexo que delas expedia, que nos penetrava no peito e
no mais íntimo da alma, fazendo-nos ver a nós mesmos em Deus, que era essa luz,
mais claramente que nos vemos no melhor dos espelhos.»
Estando dentro da luz que
emana de Nossa Senhora elas vêem, das palmas das mãos da Senhora, brotar mais
luz ainda. E essa nova luz penetra no íntimo de suas almas, dando-lhes um conhecimento que uma simples criança não
poderia ter: conhecimento de si mesmos em Deus que era aquela luz. Ora, isso é
o que acontecerá conosco no céu. Durante alguns instantes, que não foram
demorados, mas também não foram muito rápido, elas estiveram no céu. O que mais
impressiona é que elas não tenham morrido de amor, passando do êxtase para a
glória. O fato é que a terra, naquele momento desapareceu para eles:
«Então, por um impulso
íntimo, também comunicado, caímos de joelhos e repetíamos intimamente: "Ó
Santíssima Trindade, eu Vos adoro. Meu Deus, meu Deus, eu Vos amo no Santíssimo
Sacramento". Passados os primeiros momentos Nossa Senhora acrescentou:
Rezem o Terço todos os dias, para alcançarem a paz para o mundo e o fim da
guerra».
Nossa Senhora não repetiu
para eles a oração. Ela brota da iluminação em que estão mergulhados. A
Santíssima Trindade já era deles conhecida pela oração do Anjo, assim como o
amor por Jesus escondido no Santíssimo Sacramento. Ambos lhes foram comunicados
na terceira aparição do Anjo, quando as crianças comungam de suas mãos.
É preciso compreender que
o que há de mais rico e elevado nesta aparição de Nossa Senhora está escondido
no coração das crianças: «Omnis glóriae filiae Regis ab intus – toda a
glória da filha do Rei vem do interior» (Sl.44). E a Virgem Maria permanece
ali, no silêncio das colinas de Fátima, rodeada por três inocentes criancinhas,
mergulhadas num êxtase de amor. Quanto tempo ficou ali a Mãe de Deus? Ninguém
sabe.
Na verdade, o que Nossa
Senhora comunicou às almas das crianças naquele momento foi algo diferente das
aparições do Anjo: «A aparição de Nossa Senhora veio de novo a
concentrar-nos no sobrenatural, mas mais suavemente. Em vez daquele
aniquilamento na Divina presença, que prostrava mesmo fisicamente, deixou-nos
uma paz e alegria expansiva que nos não impedia falar, em seguida, de quanto se
tinha passado.» (4ª Memória).
E, de fato, os três
falavam entre si com facilidade sobre o grande acontecimento. Jacinta será
mesmo indiscreta, contando em casa o acontecido, o que será motivo de muito
sofrimento e humilhações para os três.
«...foi ela que, não
podendo conter em si tanto gozo, quebrou o nosso contrato de não dizer nada a
ninguém. Quando, nesta mesma tarde, absorvidos pela surpresa, permanecíamos
pensativos, a Jacinta, de vez em quando, exclamava com entusiasmo: Ai! que
Senhora tão bonita!» (1ª Memória)
E Francisco também
expansivo:
«Oh! Minha Nossa
Senhora, terços rezo todos quantos Vós quiserdes!» E ainda: «Gostei
muito de ver o Anjo; mas gostei ainda mais de Nossa Senhora. Do que gostei mais
foi de ver a Nosso Senhor naquela luz que Nossa Senhora nos meteu no peito.
Gosto tanto de Deus! Mas Ele está tão triste por causa de tantos pecados. Nós
nunca havemos de fazer nenhum.»
A vida dos pastores se transforma
e seria muito longo nós comentarmos todas as impressionantes mortificações que
eles farão, pela conversão dos pecadores, para que as almas não se percam no
inferno, para consolar o Bom Deus já tão ofendido.
No entanto devemos marcar
a vocação própria dos dois menores: Jacinta fica muito impressionada com o
inferno, antes mesmo de terem a visão da terceira aparição; a pequenina pensa
com freqüência nos pobres pecadores que sofrerão para sempre ali.
Francisco, o mais interior
dos três, isola-se em oração, rezando o Terço, pensando sempre em consolar a
Deus.
Mas as graças não param na
primeira aparição. Suas almas ainda têm mais a aprender sobre Deus e sobre elas
mesmas. E a lição de vida mística continuará na segunda aparição.
A Segunda Aparição: 13 de
junho de 1917.
Tanto pelas palavras de
Nossa Senhora quanto pela visão da luz que se irradia novamente de suas mãos,
esta segunda aparição nos mostra a missão de cada uma delas e a importantíssima revelação da devoção ao
Imaculado Coração de Maria:
– Queria pedir-lhe para
nos levar para o Céu.
– Sim, a Jacinta e o Francisco levo-os em breve. Mas tu ficas cá m ais algum tempo. Jesus quer servir-se de ti para Me fazer conhecer e amar. Ele quer estabelecer no mundo a devoção a Meu Imaculado Coração.
– Fico cá sozinha? perguntei com pena.
– Não filha. E tu sofres muito?! Não desanimes. Eu nunca te deixarei. O meu Imaculado Coração será o teu refúgio, e o caminho que te conduzirá até Deus.
– Sim, a Jacinta e o Francisco levo-os em breve. Mas tu ficas cá m ais algum tempo. Jesus quer servir-se de ti para Me fazer conhecer e amar. Ele quer estabelecer no mundo a devoção a Meu Imaculado Coração.
– Fico cá sozinha? perguntei com pena.
– Não filha. E tu sofres muito?! Não desanimes. Eu nunca te deixarei. O meu Imaculado Coração será o teu refúgio, e o caminho que te conduzirá até Deus.
Foi no momento em que
disse estas últimas palavras que abriu as mãos e nos comunicou, pela segunda
vez, o reflexo dessa luz imensa. Nela nos víamos como que submergidos em Deus.
A Jacinta e o Francisco parecia estarem na parte dessa luz que se elevava para
o Céu, e eu na que se espargia sobre a terra. À frente da palma da mão direita
de Nossa Senhora estava um coração cercado de espinhos que parecia estarem-lhe
cravados. Compreendemos que era o Imaculado Coração de Maria, ultrajado pelos
pecados da humanidade, que queria reparação.» (4ª Memória)
Esta visão sublime e tão
importante foi como um segredo que eles conseguiram guardar, pois tratava-se da
vida deles. Só em 1941, ao redigir estas Quartas Memórias, é que irmã Lúcia
revelará ao mundo esta luz.
Porém, o modo como Deus se
serviu de seus inocentes amiguinhos para revelar ao mundo o Imaculado Coração
de sua Mãe Santíssima é outra marca da grandeza dos acontecimentos de Fátima.
«Parece-me que neste
dia, este reflexo teve por fim principal infundir em nós um conhecimento e amor
especial para com o Coração Imaculado de Maria, assim como das outras duas
vezes o teve, me parece, a respeito de Deus e do mistério da Santíssima
Trindade.» (3ª Memória).
Vemos assim que não foi
por causa da visão do Coração na palma da mão que os corações das crianças
passaram a ter grande amor pelo Imaculado Coração, mas sim pela luz divina que
lhes foi comunicada, com o conhecimento infuso da realidade de fé que se
escondia por detrás daquela visão extraordinária. Devoção real, sólida,
profunda, sem nada de sentimental. «Desde esse dia sentimos no coração um
amor mais ardente pelo Coração Imaculado de Maria.A Jacinta dizia-me de vez em
quando: "Aquela Senhora disse que o Seu Imaculado Coração será o teu
refúgio e o caminho que te conduzirá a Deus. Não gostas tanto? Eu gosto tanto
do seu Coração. É tão bom!» E antes de ir para o hospital ela insistia com
Lúcia para não ter medo de, chegada a hora, dizer ao mundo que Deus queria a
devoção ao Imaculado Coração de Maria.
Não sei se as longas
citações das Memórias de Irmã Lúcia nos desvia das considerações de ordem
espiritual, no sentido da vida mística das crianças. Mas tudo o que foi citado
mostra as principais etapas e acontecimentos que foram formando e elevando as
suas almas.
Assim é que, entre a
segunda e a terceira aparição aconteceu um fato de grande importância para o
que estamos a tratar. Lúcia passa por uma grande noite da Fé. Ela, cheia de
dúvidas, achando que tudo aquilo pode ser do demônio, e os seus priminhos
chorando e sofrendo por ver a prima naquele estado. Grandes purificações para
grandes almas. Todos os esforços foram vãos para convencer a mais velha, que só
foi ao encontro por ter sido arrancada de sua casa por um impulso mais forte do
que ela, indo encontrar os dois pequenos chorando de joelhos em sua casa. E
Francisco dirá depois como se comporta os santos diante das grandes decisões: «Credo!
Aquela noite não dormi nada; passei-a toda a chorar e a rezar para que Nossa
Senhora te fizesse ir!» (4ª Memória)
Eles estavam, enfim,
prontos para a grande revelação que Nossa Senhora queria lhes fazer.
A Terceira Aparição: 13 de
julho de 1917.
A narrativa da terceira
aparição nos afastaria do nosso assunto. Lembremos apenas que ela é o centro do
conjunto de aparições e de fatos sobrenaturais que as três crianças assistiram:
- a visão do inferno para onde vão as almas dos pecadores
- o Imaculado Coração de Maria como remédio para salvar a humanidade desse inferno
- a Rússia, castigo para esse mundo pecador
- a terceira parte do segredo, que segundo testemunho de altas personalidades da Igreja, que a leram, fala da terrível crise de fé que assola o mundo e a Igreja desde o último Concílio.
- a visão do inferno para onde vão as almas dos pecadores
- o Imaculado Coração de Maria como remédio para salvar a humanidade desse inferno
- a Rússia, castigo para esse mundo pecador
- a terceira parte do segredo, que segundo testemunho de altas personalidades da Igreja, que a leram, fala da terrível crise de fé que assola o mundo e a Igreja desde o último Concílio.
O que mais nos interessa
aqui é a impressão que lhes ficou da visão do inferno e das profecias ditas por
Nossa Senhora: «Na terceira aparição, o Francisco pareceu ser o que menos se
impressionou com a vista do Inferno, embora lhe causasse também uma sensação
bastante grande. O que mais o impressionava ou absorvia era Deus, a Santíssima
Trindade, nessa luz imensa que nos penetrava no mais íntimo da alma. Depois
dizia: "Nós estávamos a arder naquela luz, que é Deus e não nos
queimávamos! Como é Deus!...não se pode dizer! Isto sim, que a gente nunca pode
dizer! Mas que pena Ele estar tão triste! Se eu O pudesse consolar!...» (4ª
Memória)
Esta elevada e bela
afirmação vem se juntar a todas as outras que já fizemos da vida de Francisco
Marto, onde sua alma de criança e de santo se desenha com tanta clareza,
inundada desta graça de vida mística, de vida perdida em Deus.
Jacinta, ela, viverá até o
fim com esta visão do inferno diante de si, como um aguilhão que lhe dará
sempre mais forças para sofrer: «A vista do Inferno tinha-a horrorizado a tal ponto que todas as penitências e
mortificações lhe pareciam nada, para conseguir livrar de lá algumas almas...
Algumas pessoas, mesmo piedosas, não querem falar às crianças do Inferno, para
não as assustar; mas Deus não hesitou em mostrá-lo a três e uma de seis anos
apenas, e que Ele sabia se havia de horrorizar a ponto de, quase me atrevia a
dizer, de susto se definhar.
Com freqüência se
sentava no chão ou nalguma pedra e pensativa começava a dizer: "O inferno,
o inferno! Que pena eu tenho das almas que vão para o inferno! E as pessoas lá,
vivas, a arder como a lenha no fogo! E meio trêmula ajoelhava, de mãos postas,
a rezar a oração que Nossa Senhora nos havia ensinado: "Ó meu Jesus,
perdoai-nos, livrai-nos do fogo do Inferno, levai as alminhas todas para o Céu,
principalmente as que mais precisarem".» (3ª Memória)
Muitas graças
extraordinárias são descritas por Lúcia sobre seus primos. A visão que
Francisco tem de um demônio, como o que eles viram na visão do inferno, a visão
que Jacinta tem do Papa, bi-locação, as profecias sobre as modas que ofenderão
a Deus. Um pouco antes de sua morte, Nossa Senhora aparece para ela e lhe
pergunta se ela aceita continuar a salvar as almas do inferno. Todas elas são
confirmações, conseqüências da elevação a um alto grau de santidade operada
pelo aprendizado do Céu, desde as aparições do Anjo até a morte das duas
crianças. Mas voltemos ao dia 13 de julho:
Quando Nossa Senhora chega
sobre a azinheira, Lúcia fica muda, em êxtase, diante dessa luz intensa, da
qual ela tinha duvidado. Foi Jacinta que a alertou: fale pois ela já está
falando com você. Lúcia, sempre discreta sobre as graças recebidas por ela
própria ficará sempre com saudades do céu, e quando ela manifestava isso a
eles, Jacinta lhe lembrava que o Imaculado Coração de Maria seria o seu
refúgio. Sua missão quase profética de anunciar a revelação do Imaculado
Coração de Maria parece, aliás, ter começado ainda no dia da última aparição.
Eis o que nos conta o Dr. Carlos Mendes:
«Quando o sol voltou ao
normal, tomei Lúcia nos meus braços para leva-la até o caminho. Meus ombros
foram assim o primeiro púlpito de onde ela pregou a mensagem que acabara de lhe
confiar Nossa Senhora do Rosário. Com grande entusiasmo e Fé ela gritava:
"Façam penitência, façam penitência! Nossa Senhora quer que façais
penitência. Se fizerdes penitência a guerra acabará". Ela parecia
inspirada. Era impressionante ouvi-la. Sua voz tinha entoações como a voz de um
grande profeta.»
A Continuação
Depois da morte de
Francisco e Jacinta, Lúcia continuará recebendo muitas graças e procurando
desempenhar seu papel de testemunha da vontade de Nossa Senhora. No dia 10 de
dezembro de 1925, apareceu-lhe a Santíssima Virgem e ao lado, suspenso numa
nuvem luminosa, um Menino. Nossa Senhora pôs sua mão no ombro da religiosa e
mostrou-lhe na palma da outra mão, seu Coração cercado de espinhos. Disse o
Menino: "Tem pena do coração de tua Santíssima Mãe, que está coberto de
espinhos, que os homens ingratos a todos os momentos lhe cravam, sem haver quem
faça um ato de reparação para os tirar."
E Nossa Senhora pede,
então, que irmã Lúcia espalhe pelo mundo a devoção dos 5 Primeiros sábados do
mês. A todos os que se confessarem, recebendo a Sagrada Comunhão, meditando nos
quinze mistérios do Rosário, com o fim de desagravar ao Imaculado Coração de
Maria, a boa Mãe do Céu promete assistir na hora da morte com todas as graças
necessárias para a salvação. E mais tarde Nossa Senhora explicará porque pediu
5 sábados: porque são cinco as espécies de ofensas e blasfêmias proferidas
contra o Imaculado Coração de Maria:
- blasfêmias contra a Imaculada Conceição
- contra sua Virgindade
- contra a Maternidade divina, e recusa de recebe-la como Mãe
- os que procuram infundir nos corações das crianças a indiferença, o desprezo e até o ódio para com esta Imaculada Mãe.
- os que a ultrajam em suas sagradas imagens.
- blasfêmias contra a Imaculada Conceição
- contra sua Virgindade
- contra a Maternidade divina, e recusa de recebe-la como Mãe
- os que procuram infundir nos corações das crianças a indiferença, o desprezo e até o ódio para com esta Imaculada Mãe.
- os que a ultrajam em suas sagradas imagens.
Os grandes mistérios
revelados e vividos pelas criancinhas de Fátima continuam, portanto, diante de
nós, diante do mundo indiferente. Cabe a cada um de nós tomar a iniciativa de
se entregar ao amor desta incomparável Mãe, que trouxe o Céu até a terra, nas
terras de Portugal, para a nossa salvação. Que os bem-aventurados Francisco e
Jacinta de Fátima intercedam por nós, para que nós estejamos à altura deste
amor Maternal que Nossa Senhora quer nos comunicar. Rezemos o Terço todos os
dias.