Benefícios do jejum
Nestas
passagens, tiradas de conferências espirituais inéditas, dadas na
comunidade de monges beneditinos de Mesnil-Saint-Loup, o pe. Emmanuel
ressalta com clareza, apoiando-se na liturgia, os numerosos benefícios
do jejum.
Reproduzimos
estes textos aqui pois a prática do jejum na Quaresma, apesar de não
mais obrigatória (salvo na quarta-feira de cinzas e na sexta-feira
santa), segue sempre recomendada, desde que a saúde o permita e que não
impeça o cumprimento dos deveres de estado.
É
isso que escrevia Mons. Lefebvre aos padres da Fraternidade São Pio X
em 1980: «Aconselhamos vivamente que se encoraje os fiéis à observar a
abstinência todas as sextas-feiras e à jejuar nas sextas-feiras da
quaresma e mesmo, se puderem, estender o jejum e a abstinência a toda
quaresma e às quatro Têmporas.»
Assim,
pois, recomendados pelo pde. Emmanuel e por Mons. Lefebvre, em
conformidade com a Igreja, jejuemos "pacificamente, docemente,
alegremente".
Pe. Philippe François
* * *
Entramos
na Quaresma. É um tempo muito precioso. A Quaresma é uma grande graça
de Deus. Como diz são Basílio, na homilia do quarto domingo da Quaresma,
o jejum merece todos os elogios. Com efeito, ele alivia o peso da
carne, dá à alma como que asas para mais facilmente elevar-se a Deus.
Ah! lembro-me que outrora chegava a pensar no fim da Quaresma: "pena não
durar para sempre", tanto me sentia à vontade nela. É verdade, no
entanto, que não teríamos forças para tanto. Se não podemos prolongar
por toda a vida este tempo de penitência, aproveitemos dele quando nos é
oferecido.
Pelo
jejum, nos privaremos de alguma coisa. Mas é preciso saber que o jejum
não consiste tão-somente na privação. Seria ruim se assim fosse: o jejum
seria um fardo acabrunhante. Portanto, lembrem-se que toda virtude
consiste em duas coisas: na privação e no gozo. Ora, também é assim
quanto a virtude da temperança: privamos o corpo da refeição para que a
alma goze de Deus. Ah! toda alma que tem amor pelo jejum compreende o
que digo. Os mundanos não compreenderão nada. Leiam o prefácio da
Quaresma no rito Ambrosiano, que eu reproduzi no Bulletin (fevereiro de 1896), e verão que o jejum alimenta a fé, fortifica a esperança e faz progredir a caridade.
Quanto
aos jovens que estão dispensados do jejum, rezem por aqueles que
jejuam. De resto, Padres e Irmãos queridos, se queremos jejuar, peçamos a
Deus que nos dê força para tanto. É a Deus que devemos pedir esta
graça. Sem Deus, sem sua graça, o jejum ultrapassaria nossa boa vontade,
e talvez fossemos obrigados a ceder a suas reclamações.
(Terça-feira, 18 de fevereiro de 1896 - véspera da quarta-feira de cinzas)
*
(...)
Considerem também que há um grande número de pobres que se sentiram
muito felizes se, a cada dia, pudessem se alimentar como nós nos
alimentamos na Quaresma. Então não nos queixaremos, ao contrário,
alegrar-nos-emos de poder fazer um pouco de penitência. Peçamos a Deus
que nos dê a graça de suportar tudo o que o jejum possa ter de duro a
natureza. Lembremo-nos desta palavra que pronunciamos no último domingo:
Quiddamque poenitentiae da ferre — "Dai-nos suportar alguma
penitência". Sim, é muito pouco o que somos capazes de fazer! Mas Deus
se contentará com isso. Jejuamos então, pois somos pecadores: se há
alguém aqui que não tem pecados a expiar, que reze por nós. O jejum nos
será fácil se atentarmos para esta bela oração da Igreja: Paradisi
portas aperuit nobis jejunii tempus; suscipiamus illud orantes et
deprecantes, ut in die resurrectionis cum Domino gloriemur — "o
tempo do jejum nos abriu as portas do paraíso; recebamos-lhe, orando e
suplicando, a fim de participarmos da glória do Senhor no dia da
ressurreição."
O jejum nos deu o paraíso; que seja bem-vindo, que o recebamos com ações de graças: suscipiamus illud orantes. Ah! quando se soube domar e castigar o corpo durante a Quaresma, como a alma se alegra na Páscoa! Que alegria espiritual!
Contudo,
se algum de vós estiver extenuado pelo jejum, deverá me advertir; então
veremos como atender as suas necessidades. Mas, a não ser em situações
extraordinárias, jejuemos pacificamente, docemente, alegremente.
(25 de fevereiro de 1896)
*
No próximo domingo, no ofício de matinas, faremos esta bela oração: Paradisi
portas aperuit nobis jejunii tempus; suscipiamus illud orantes et
deprecantes, ut in die resurrectionis cum Domino gloriemur.
Esta
oração, que só encontramos uma vez na liturgia latina, é quase
diariamente repetida na liturgia da Quaresma dos Gregos. Ela é
maravilhosamente bela e, ademais, reveste-se de grande interesse, pois
assinala a razão fundamental do jejum.
A
gula nos expulsou do Paraíso na pessoa do primeiro homem: o jejum nos
faz entrar nele. Oh! Quão sublimes os resultados do jejum. Mas não basta
somente jejuar: a oração deve acompanhá-lo: suscipiamus illud orantes.
Sem a oração, o jejum não teria nenhuma virtude; sem a oração, ele
seria até impossível. Oremos e jejuemos. No início da santa Quaresma, eu
vos darei diversas orientações. Em primeiro lugar, recomendo a oração.
Os que não rezam dizem que não conseguem jejuar. Eu acredito no que
dizem facilmente. O corpo privado de alimento protesta pela fome: o
estomago vazio se queixa. É impossível resistir a estes gritos se a alma
não se elevou a Deus pela oração.
É também preciso que nosso jejum seja um jejum universal. Utamur ergo parcius verbis, cibis et potibus.
— "Sejamos, pois, de maior parcimônia no uso da palavra, alimentos e
bebidas." Nós nos absteremos de violar o silêncio. É por isso que nossas
constituições prescrevem que, após o jantar, cada um deve se retirar
para sua célula ao sinal dado pelo sino. Á partir deste momento, até as 4
horas, é o grande silêncio, semelhante ao da noite. A cada um darei um
livro; e, durante este recolhimento após o jantar, cada um lerá algumas
páginas, para que a alma seja alimentada e fortificada pelas santas
leituras.
Ainda
uma palavra sobre o refeitório. Durante a Quaresma, quando chega a hora
do jantar, o apetite se faz sentir com força: temos a sensação de que
comeríamos a mesa junto com os pratos que nela estão! somos levados a
comer com precipitação. Ora, isso de nada vale! quanto maior a fome,
mais deve-se comer devagar. Se não observarmos esta regra de higiene,
nos expomos a uma má digestão. Assim, saibam que, durante a Quaresma,
será preciso um pouco mais de tempo para jantar que de ordinário. Assim,
a Quaresma será útil aos nossos corpos bem como às nossas almas. Sanará
tanto o primeiro como o segundo; de resto, é por isso que foi
instituído, conforme testemunha a Igreja na bela oração da missa do
primeiro sábado da Quaresma: Hoc solemne jejunium quod animabus corporibusque curandis salubriter institutum est. — "Este solene jejum, que foi salutarmente instituído para a cura de nossas almas e de nossos corpos.
O
velho padre de Villadin, nosso venerável patriarca, costumava dizer
quando se aproximava a Quaresma: "Eis que o médico vem". Este santo
padre fazia a sua quaresma abstendo-se inteiramente de carne. Tinha
razão quanto ao efeito do jejum: se os homens jejuassem, evitariam uma
série de doenças. Com estas pequenas observações, guardando no coração
os cuidados que acabo de lembrar, espero que façam todas uma boa
Quaresma. Assim seja!
(2 de março de 1897)
*
Meus
caros Padres, nossa observância é tão doce; e, no entanto, sei que
sobre o artigo da Quaresma, muitos se permitem criticar a maneira
estrita com que nós a praticamos. Contudo, nós simplesmente nos
conformamos ao que prescreveu a Igreja. Quanto às dispensas, se não as
usamos, é porque delas não precisamos. Se algum de vós tiver necessidade
de algum alívio, cabe a ele dar a saber e, sem a menor dificuldade, sua
necessidade será satisfeita. Daremos-lhe de comer carne de vaca, cerdo,
boi, cavalo se delas tiver necessidade: mas por que usar das dispensas
sem necessidade?
Hoje
em dia, todo mundo é dispensado: dispensa-se quem quiser. Porém, tal
profusão de dispensas é um mal. É preciso que se faça penitência pelos
pecados conforme a força de cada um, a quaresma nos foi dada para isso.
Se tivéssemos o espírito de um são Bento, de um são Bernardo,
julgaríamos nossa observância extremamente doce, até mesmo doce demais.
Peçamos perdão a Deus por fazermos tão pouco, e por estarmos tão
distantes da penitência de nossos pais.
(22 de março de 1898)