DIFUNDIR OS BONS LIVROS
Numa carta aos seus salesianos, Dom Bosco,
sempre preocupado com o bem da juventude e do povo, recomenda vivamente a
difusão dos bons livros.
Turim, 19 de março de 1885,
Festa de São José.
Caríssimos filhos em Jesus Cristo,
Deus é que sabe quão grande é o meu desejo
de vê-los, estar com vocês, falar das nossas coisas, desfrutar a confiança que
nos une os corações. Infelizmente, caríssimos filhos, minhas poucas forças, as
seqüelas de velhas doenças, negócios urgentes que me chamam à França,
impedem-me de secundar, ao menos por ora, os impulsos do afeto que tenho por
vocês. Não podendo, então, visita-los pessoalmente, faço-o por carta, certo de
que apreciarão a lembrança constante que guardo de vocês, que são minha esperança,
minha glória e arrimo. Por isso, desejando vê-los crescer cada dia mais em zelo
e merecimentos diante de Deus, não deixarei de sugerir-lhes, de quando em
quando, os meios que julgo melhores para que o ministério de cada um se torne
sempre mais frutuoso.
Um deles, que pretendo recomendar-lhes
vivamente, para a glória de Deus e a salvação das almas, é a difusão dos bons
livros. Não receio chamar divino a este meio. O mesmo Deus se valeu dele para
regenerar o homem. Foram os livros inspirados que levaram ao mundo a verdadeira
doutrina. Quis ele em que em todas as cidades e aldeias da Palestina houvesse
suficiente quantidade de exemplares, e que fossem lidos todos os sábados nas
assembléias religiosas. Eram, a principio, patrimônio exclusivo do povo judeu.
Quando, porém, as tribos foram levadas em cativeiro à Assíria e à Caldeia, a
Sagrada Escritura foi traduzida em língua sírio-caldaica, desta maneira toda a
Ásia Central pôde te-la na própria língua. Ao prevalecer o poderio grego, os
judeus plantaram colônias em todos os recantos da terra. Com elas,
multiplicaram-se ao infinito os Livros Santos. Com sua versão os Setenta
enriqueceram as bibliotecas dos povos pagãos. Desta maneira, oradores, poetas,
filósofos da época colheram na Bíblia muitas verdades. Deus ia preparando o
mundo para a vinda do Salvador, principalmente com seus livros inspirados.
Cabe a nós imitar a obra do Pai Celeste. Os
livros bons, espalhados entre o povo, são um dos meios apropriados para manter
o reino do Salvador em muitos corações. Os pensamentos, os princípios, a moral de um livro católico
são substância extraída dos livros divinos e da tradição apostólica. São tanto
mais necessário na medida em que a impiedade e a imoralidade se servem dessa arma
para destruir o rebanho de Cristo, para levar e arrastar à perdição os incautos
e os desobedientes. Necessário se faz, pois, opor arma a arma. Acresce ainda
que se o livro não tem a força viva da palavra, oferece, entretanto, em
determinadas circunstancias, vantagens ainda maiores. Entra nas casas onde não
pode entrar o sacerdote. Toleram-no os maus, como lembrança ou presente. Ao
apresentar-se não enrubesce. Posto de lado,
não inquieta. Lido, ensina com calma a verdade. Desprezado, não se
lamuria, mas semeia o remorso, que pode despertar o desejo de conhecer a
verdade, sempre pronto a ensinar. Por vezes deixa-se ficar empoeirado numa mesa
ou biblioteca, sem que ninguém se interesse por ele. Mas, ao sobreviver a hora
da solidão, da tristeza, da dor, do tédio, da necessidade de lazer ou da preocupação
para o futuro, este amigo fiel sacode o pó, abre as páginas, e se renovam as
admiráveis conversões de Santo Agostinho, do Beato Columbano e de Santo Inácio.
Compreensivo com os inibidos pelo
respeito humano, entretém-se com eles sem que ninguém perceba; para os bons é
de casa, disposto sempre a dialogar; acompanha-os em qualquer momento ou
lu8gar, Quantas pessoas foram salvas pelos livros bons, quantas preservadas do
erro, encorajadas ao bem.Quem dá um livro bom, outro mérito não tivesse que ode
despertar um bom pensamento, já muito mereceria diante de Deus. Entretanto,
resultados ainda maiores se colhem. Se numa família o livro não for lido por
aquele ao qual é destinado ou doado, sê-lo-á pelo filho ou pela filha, pelo
amigo ou pelo vizinho. Um livro passa, às vezes, por dezenas de mãos. Só Deus
conhece o vem que faz um bom livro em certos ambientes, numa biblioteca
circulante, numa sociedade operária, num hospital, quando oferecido com prova
de amizade. Não devemos recear que um livro não seja aceito só pelo fato de ser
bom. Pelo contrário. Um nosso irmão de Congregação, sempre que ia ao porto de
Marselha, levava provisão de bons livros para dá-los aos carregadores, aos
estivadores, aos marinheiros. Pos bem, todos recebiam com alegria e gratidão esses
livros, que algumas vezes eram logo lidos com viva curiosidade.
Postas estas observações, e deixando de
lado muitas outras que vocês já conhecem, vou apontar-lhes os motivos pelos
quais se devem empenhar com todas as forças e meios na difusão dos bons livros.
Não só como católicos, mas especialmente como salesianos.
1. Foi
este um dos principais empreendimentos que a Divina Providência me confiou.
Todos sabem como nele me empenhei com incansável vigor, não obstante tantas
outras ocupações. O ódio raivoso dos inimigos do bem, a perseguição contra
minha pessoa provam que o erro vê nos bons livros um temível adversário, uma
iniciativa de Deus.
2.
A
admirável difusão desses livros é, com efeito, um argumento para provar a
assistência especial de Deus. Em menos de trinta anos, montam a cerca de vinte
milhões de fascículos ou volumes que difundimos entre o povo. Se algum livro
foi posto de lado, outros terão tido uma centena de leitores cada um, e assim,
o número de pessoas às quais nossos
livros fizeram bem pode ser avaliado com certeza muito maior que o de volumes
publicados.
3.
A
difusão dos bons livros e um dos fins principais da nossa Congregação. O artigo
7 do parágrafo primeiro das nossas Regras diz que os salesianos “se empenharão
em difundir bons livros entre o povo, usando todos os meios que a caridade
cristã inspirar. Procurarão, com palavras e escritos, erguer um dique contra a
impiedade e a heresia que de tantas maneiras tenta insinuar-se entre os rudes e
ignorantes. Para tal fim devem orientar-se as pregações que de tanto em tanto
se fazem ao povo, os tríduos, as novenas e a difusão dos bons livros.”
4. Entre os livros por divulgar, proponho
escolher os que são tidos como bons, morais e religiosos, dando-se preferência
às obras que saem das nossas tipografias, quer porque a vantagem material que
se obtém transforma-se em caridade com a manutenção dos nossos meninos pobres,
quer porque as nossas publicações tendem a formar um sistema ordenado, que
abraça em vasta escala todas as classes da sociedade. Não me detenho neste
ponto. Destaco, porém, com verdadeira complacência, uma classe apenas, a dos
meninos, à qual procurei sempre fazer o bem, com a palavra viva e com a
imprensa. Mediante as Leituras Católicas, além de instruir o povo, visava
entrar nas casas, tornar conhecido o espírito reinante em nossos colégios e
atrair os meninos à virtude, especialmente com as biografias de Sávio, Besucco
e outros. Com o Jovem Instruído, queria leva-los à Igreja, instilar-lhes o espírito
de piedade atrai-los à freqüência aos sacramentos. Pela coleção dos clássicos
italianos e latinos expurgados, a História da Itália e outros livros históricos
ou literários, desejei sentar-me ao lado deles
na aula e preserva-los de tantos erros e paixões que lhes seriam fatais no
tempo e na
eternidade. Desejava, com o tempo, ser-lher
companheiro nas horas de recreio; planejei, então, uma série de livros amenos,
que espero não tardem avir à luz. Com o Boletim Salesiano, finalmente, entre as
muitas finalidades, tive também esta: manter vivo nos meninos que voltavam às
suas famílias o amor ao espírito de S. Francisco de Sales e às suas máximas, e
fazer deles próprios os salvadores de outros meninos. Não afirmo haver atingido
perfeitamente meu ideal; digo-lhes, sim, que toca a vocês coordená-lo de modo
que se complete em todas as suas partes.
Peço-lhes e esconjuro-os, pois,
que não descuidem esta parte importantíssima da nossa missão. Comecem-na não só
entre os meninos que a Providência nos confiou, mas, com a palavra e com o
exemplo, façam deles outros tantos apóstolos da difusão dos bons livros.
No princípio do ano, os alunos,
os novos sobretudo, se entusiasmam com a proposta de nossas assinaturas, tanto
mais quanto vêem que se trata de quantia bem diminuta. Procurem, porém, que
elas sejam espontâneas, de maneira alguma impostas. Com exortações
convincentes, levam os jovens a serem assinantes, não só em vista do bem que os
livros lhes farão, mas também com relação ao bem que podem fazer aos outros
mandando-os para casa, ao pai, à mãe, aos irmãos, aos benfeitores, à medida que
vão sendo publicados. Também os parentes pouco praticantes da religião se
comovem à lembrança de um filho, de um irmão distante. Procurem, porém, que
essas remessas não tomem nunca a aparência de sermão ou de lição aos parentes,
mas sempre e somente de um carinhoso presente e de afetuosa lembrança. Quando
em casa, presenteando-os aos amigos, emprestando-os aos parentes, dando-os com
retribuição de um serviço, cedendo-os ao pároco para que os distribua,
procurando novos assinantes, estarão aumentando o mérito das boas obras.
Convençam-se, meus filhos
queridos, de que tais iniciativas haverão de atrair sobre vocês e nossos
meninos as mais escolhidas bênçãos de Deus.
Vou terminar. Tirem vocês
mesmos a conclusão desta carta, procurando que nossos jovens venham haurir os
princípios morais e cristãos principalmente em nossas publicações, evitando
desprezar os livres dos outros. Devo, porém, dizer-lhes que meu coração ficou
magoado quando soube que em algumas das nossas Casas eram desconhecidas algumas
vezes ou tidas em nenhuma conta as obras que editamos justamente para a
juventude. Não amem nem façam com que outros amem aquela ciência que no dizer
do Apóstolo inflat (incha).
Lembrem que santos Agostinho,
já bispo, conquanto mestre exímio em letras e orador eloqüente, preferia as
impropriedades de linguagem e a pouca elegância de estilo ao risco de não ser
compreendido pelo povo.
A graça de Nosso Senhor Jesus
Cristo esteja sempre com vocês. Rezem por mim.
Muito afeiçoado em Jesus Cristo
João Bosco