O Anjo
da Paz
Entre junho e agosto de 1916, Lúcia e seus priminhos Francisco e Jacinta
conduziam suas ovelhinhas como de costume, até que, num dia de muito calor,
foram ter a um lugar chamado Chousa
Velha, um pouco a oeste de Aljustrel, no meio de um olival. Estavam
os pastorinhos a brincar quando subitamente o céu se escureceu e se espalhou
uma névoa espessa. Lembraram-se então da Loca do Cabeço, perto de onde o
rebanho pastava. A toda pressa, abrigaram as ovelhas debaixo de uma árvore
frondosa e correram ladeira acima a refugiar-se naquela cavidade. Era o que de
melhor havia por ali, e os três continuaram a brincar. Passado um tempo, os
pastorinhos merendaram, rezaram o terço e mal terminaram de rezar, a chuva
cessou e o sol voltou a brilhar. Os três começaram a divertir-se atirando
pedras para o fundo do vale.
De repente levantou-se um vento, um vento estranho; olharam espantados as
árvores agitadas e deram com um clarão, vindo do nascente, que se aproximava
cada vez mais forte, cada vez mais esplendoroso. Lúcia reconheceu a alvura
singular daquela "estátua de neve", transparente pelo sol, que um ano
antes vislumbrara com outras meninas ("Parecia uma pessoa embrulhada num
lençol").
Mas desta vez a luz aproximou-se tanto que, ao chegar à pedra da entrada
da loca, puderam distinguir a forma de "um jovem dos seus catorze a quinze
anos, mais branco que se fora de neve, que o sol tornava transparente como se
fora de cristal", descreve Lúcia. Podiam ver agora perfeitamente os traços
de um rosto humano de indescritível beleza. Estupefatos, emudecidos,
contemplavam-no paralisados.
«Não temais. Sou o
Anjo da Paz. Orai comigo!»
|
Ajoelhou em terra e curvou a fronte até o chão. Os
pastorinhos imitaram-no e repetiram as suas palavras:
«Meu Deus, eu
creio, adoro, espero e Vos amo. Peço-Vos perdão para os que não crêem, não
adoram, não esperam e não Vos amam.»
|
Mais duas vezes o Anjo pronunciou aquela oração
e depois recomendou-lhes:
«Orai assim. Os
corações de Jesus e Maria estão atentos às vossas súplicas.»
|
Então
desapareceu.
A
oração gravou-se de tal forma na mente de Lúcia e Jacinta (Francisco não
chegara a ouvi-la) que nunca mais a esqueceram e, a partir desse instante, a
repetiam muitas vezes por longo tempo, até caírem de cansaço. Depois da aparição,
os três sentiam-se fracos e aturdidos. Aos poucos, foram-se refazendo e
começaram a reunir o rebanho, pois entardecia. Ao longo do caminho de volta
para Aljustrel, nenhum deles tinha vontade de falar. Lá se iam calados,
silenciosos, pensativos.
Sacrifícios e orações
pelos pecadores
A
segunda aparição deu-se semanas depois. As crianças foram passar em casa as
horas mais quentes do dia e brincavam junto do poço, quando, subitamente, viram
junto deles a mesma figura.
«Que fazeis? Orai,
orai muito. Os corações santíssimos de Jesus e Maria têm sobre vós desígnios
de misericórdia. Oferecei constantemente, ao Altíssimo, orações e
sacrifícios.»
|
- Como
nos havemos de sacrificar?, perguntou Lúcia.
«De tudo o que
puderdes, oferecei a Deus sacrifício em ato de reparação pelos pecados com
que Ele é ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores. Atraí assim,
sobre a vossa pátria, a paz. Eu sou o Anjo da sua guarda, o Anjo de Portugal.
Sobretudo, aceitai e suportai com submissão o sofrimento que o Senhor vos
enviar.»
|
E
desapareceu.
As
crianças ficaram tolhidas de espanto e novamente permaneceram numa espécie de
êxtase. Quando recuperaram o domínio de si, Francisco foi o primeiro a falar.
Tinha visto o Anjo mas novamente não ouvira suas palavras. Somente no dia
seguinte Lúcia pôde lhe contar o que havia dito o Anjo. Ainda se passou mais um
dia para que conseguisse reunir as idéias e explicar, como podia, quem era o
Altíssimo, e o que significava "os Corações de Jesus e Maria estão atentos
às vossas súplicas".
Jacinta
dizia ao irmão:
- Tem cuidado, nestas coisas fala-se
pouco. -E continuava - Quando falo no Anjo não sei o que me acontece; não
posso falar, nem brincar, nem cantar... Não tenho forças para nada...
- Nem eu também - dizia Francisco. – Mas que importa?... O Anjo é mais que tudo isso: pensemos nele!
Desde então, o menino pôs-se a refletir sobre o que o Anjo quisera dizer ao
falar de sacrifícios e começou a rivalizar com a irmã e a prima na
renúncia a pequenos prazeres e satisfações, em reparação pelos pecadores. Os
três passavam horas e horas prostrados em terra a repetir sem cessar a oração
que o Anjo lhes ensinara.
|
Reparações ao Santíssimo Sacramento
Passaram-se três meses. Estavam os pastorinhos novamente na gruta do Cabeço e,
depois de rezarem o terço, como de costume, puseram-se a recitar juntos a
oração.
Acabavam de repeti-la mais uma vez quando subitamente a mesma luz cristalina
brilhou novamente sobre o vale e o Anjo tornou a aparecer-lhes: belo,
resplandecente, deslumbrante, suspenso no ar. Trazia numa mão um Cálice e,
sobre ele, com a outra mão, segurava uma Hóstia. Deixou-os suspensos no ar,
prostrou-se por terra e disse:
«Santíssima
Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, adoro-Vos profundamente e ofereço-Vos
o preciosíssimo Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Jesus Cristo, presente em
todos os sacrários da terra, em reparação dos ultrajes, sacrilégios e
indiferenças com que Ele mesmo é ofendido. E pelos méritos infinitos do Seu
Santíssimo Coração e do Coração Imaculado de Maria, peço-Vos a conversão dos
pobres pecadores.»
|
Repetiu três vezes essa oração com as crianças. Depois levantou-se, tomou
novamente o Cálice e a Hóstia e deu a Comunhão a Lúcia, dando o Cálice a beber
aos dois irmãozinhos, dizendo:
«Tomai e bebei o
Corpo e o Sangue de Jesus Cristo horrivelmente ultrajado pelos homens
ingratos. Reparai os seus crimes e consolai o vosso Deus.»
|
De
novo em adoração, repetiu a súplica à Santíssima Trindade. E desvaneceu-se na
luz do sol.
A sensação da presença de Deus nessa ocasião foi muitíssimo mais intensa e
deixou-os tão exaustos que, dias depois, Francisco comentava:
- Gosto muito de ver o Anjo; mas o pior é
que, depois, não somos capazes de nada. Eu nem andar podia!
Isso tudo aconteceu quando Lúcia tinha nove anos, Francisco, oito, e Jacinta,
seis. Nenhuma das crianças contou sobre a aparição do Anjo, nem em casa nem em
parte alguma. Somente na Segunda
Memória, escrita em 1937, é que Lúcia se refere incidentalmente ao
Anjo da Paz, relato inesperado pelos 21 anos de ocultamento, e que causou
grande surpresa.
A Senhora mais
brilhante que o sol.
Um
dos lugares prediletos das crianças pastoras ficava nas terras do pai de Lúcia.
Era um pequeno vale, chamado Cova da Iria. Os pastorinhos brincavam e cantavam
cantigas daquele tempo, como esta:
Amo a Deus no Céu,
Amo-o também na terra; Amo o campo, as flores, Amo as ovelhas na serra.
Com os meus cordeirinhos
Eu aprendi a saltar. Sou a alegria da serra E sou o lírio do vale |
Sou uma pobre pastora Rezo sempre a Maria. No meio do meu rebanho Sou o sol do meio-dia.
Ó, i, ó ái!
Quem me dera ver-te agora! Ó, i, ó ái! Meu Jesus, já nesta hora! |
Mas
depois das experiências com o Anjo, eles já não cantavam com o mesmo entusiasmo
de antes. Já não eram os mesmos. Além disso, os problemas de saúde da mãe de
Lúcia, e a guerra que se desenrolava na Europa, refletindo-se na vida da pequena
vila, trouxe para os pequenos muitos sofrimentos; eles, porém, lembravam-se das
palavras do Anjo e tudo ofereciam:
- Meu Deus, ofereço-Vos todos estes
sacrifícios e sofrimentos em reparação pelos pecadores e pela sua conversão.
As crianças tinham agora consciência
de que existia um mundo angustiado, às voltas com o incompreensível mistério do
sofrimento.
No
dia 13 de maio de 1917, um domingo, os pais de Jacinta e Francisco planejaram
ir a uma feira próxima para fazer compras, e mandaram as crianças à missa em
Fátima. Era um dia muito bonito, e já passava do meio-dia quando os pastorinhos
conduziram as ovelhas até a Cova da Iria, passando então a se entreter na construção
de uma casinha de pedras.
Estavam entretidos nesse trabalho, quando foram surpreendidos por um raio de
luz, que lhes pareceu um relâmpago. Correram para se abrigar, quando um segundo
relâmpago os fez afastarem-se da árvore, e então pararam pasmados. Bem diante
deles, na copa de uma azinheira de cerca de um metro de altura, viram uma
esfera de luz e, no centro, uma Senhora, "vestida
toda de branco, mais brilhante que o
sol, espargindo luz, mais clara e intensa que um copo de cristal, cheio d'água
cristalina, atravessado pelos raios do sol mais ardente", nas palavras
de Lúcia. Seu rosto era de uma beleza indescritível. Tinha as mãos juntas, em
atitude de quem reza, apoiadas no peito; da mão direita pendia um terço. As
vestes pareciam ser feitas unicamente de luz. A túnica era branca, como branco
era o manto, orlado de uma luz ainda mais intensa a reluzir como outro, que lhe
cobria a cabeça e lhe descia até aos pés. Não se lhe viam o cabelo nem as
orelhas. Era impossível fixar os olhos em seu rosto, pois sua luz os cegava.
Fascinadas, aproximaram-se tanto que se colocaram dentro do
círculo de luz que a acompanhava.
«Não tenhais medo.
Eu não vos faço mal»
|
As
crianças não sentiam medo, o que as assustara fora somente o
"relâmpago" e o receio da trovoada. Uma grande alegria e paz
inundavam suas alminhas. Refeita do susto, Lúcia perguntou:
- De onde é vossemecê?
«Sou do Céu!»
|
- E
que é que vossemecê me quer?
«Vim para vos pedir
que venhais aqui seis meses seguidos, no dia 13, a esta mesma hora. Depois
direi quem sou e o que quero. E voltarei ainda aqui uma sétima vez.»
|
- E
eu também vou para o Céu?
«Sim, vais»
|
- Que
felicidade! Ir para o Céu!... E a Jacinta?
«Também.»
|
- E o
Francisco?
«Também irá, mas
terá de rezar muitos terços.»
|
O
olhar da formosa Senhora parecia agora fixar magoado o pastorinho que nada
ouvia e não via distintamente a Celeste Visão.
- Ó Lúcia, eu não vejo nada... Arruma-lhe uma pedra, a ver se é gente ou não!
"Que idéia!... Atirar uma pedra a uma Senhora tão bonita e tão boa!", pensa Lúcia. Mas perguntou:
- Então vossemecê é a Nossa Senhora do Céu e o Francisco não a pode ver?
- Ó Lúcia, eu não vejo nada... Arruma-lhe uma pedra, a ver se é gente ou não!
"Que idéia!... Atirar uma pedra a uma Senhora tão bonita e tão boa!", pensa Lúcia. Mas perguntou:
- Então vossemecê é a Nossa Senhora do Céu e o Francisco não a pode ver?
«Ele que reze o
terço e assim também me verá.»
|
Lúcia
voltou-se para o primo:
- Olha, Francisco, a Senhora diz que rezes o terço e já a podes ver.
- Olha, Francisco, a Senhora diz que rezes o terço e já a podes ver.
E o
pequeno, começando a rezar, logo goza da presença da Virgem Santíssima.
Entretanto, ele não podia esquecer as ovelhas que andavam na Cova e se
preocupava que não comessem a plantação que havia por perto.
- Deixa! - disse Lúcia. A Senhora diz que as ovelhas não os comem.
- Qual não comem!... As ovelhas não comerem os chícharos?
- Deixa, deixa, a Senhora lá sabe!
- Ó Lúcia - manifestou-se Jacinta o.. - pergunta à Senhora se tem fome. Ainda ali temos broa e queijo... E oferece-lhe um cordeirinho.
- Deixa! - disse Lúcia. A Senhora diz que as ovelhas não os comem.
- Qual não comem!... As ovelhas não comerem os chícharos?
- Deixa, deixa, a Senhora lá sabe!
- Ó Lúcia - manifestou-se Jacinta o.. - pergunta à Senhora se tem fome. Ainda ali temos broa e queijo... E oferece-lhe um cordeirinho.
Mas
Lúcia se lembrou de duas moças, amigas de suas irmãos, que há pouco haviam
morrido.
- A Maria do Rosário do José das Neves está no Céu?
- A Maria do Rosário do José das Neves está no Céu?
«Sim.»
|
- E a
Amélia?
«Está no Purgatório
até o fim do mundo.»
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Que
pena sentiu Lúcia! Também a Senhora parecia triste ao perguntar:
«Quereis
oferecer-vos a Deus para suportar todos os sofrimentos que Ele quiser
mandar-vos em ato de reparação pelos pecados com que é ofendido, e de súplica
pela conversão dos pecadores?»
|
- Sim,
queremos! - respondeu Lúcia, em nome dos três.
«Ides, pois, ter
muito que sofrer, mas a graça de Deus será o vosso conforto.»
|
Ao
dizer "a graça de Deus", a Senhora abriu pela primeira vez as mãos e
delas saíram feixes de luz muito intensa, cujo reflexo envolveu as crianças,
penetrou-lhes no peito e atingiu-lhes o mais íntimo da alma. Conta Lúcia que
essa luz os fez "ver a nós mesmos em Deus, mais claramente do que nos
vemos no melhor dos espelhos".
Por
um impulso irresistível, prostraram-se de joelhos e começaram a repetir
intimamente: "Ó Santíssima Trindade, eu Vos adoro. Meu Deus, meu Deus,
eu Vos amo no Santíssimo Sacramento".
A
Senhora esperou que terminassem e então disse:
«Rezai o terço
todos os dias, para alcançar a Paz para o Mundo e o fim da guerra.»
|
Em
seguida, foi-se elevando suavemente da azinheira, subindo em direção ao
nascente, até desaparecer. As crianças permaneceram um longo tempo de olhos
fixos no céu. Estavam silenciosas e pensativas, porém não se sentiam cansadas e
abatidas, como ficavam ao ver o Anjo da Paz. Sentiam-se leves como pássaros. E
logo viram, como dissera a Senhora, que as ovelhinhas não haviam tocado nos
feijões e nos chícharos.
- Ai que Senhora tão bonita! - exclamava
Jacinta repetidas vezes.
- Estou mesmo a ver que ainda vais dizer a alguém - dizia-lhe Lúcia.
- Não digo nada a ninguém; está descansada.
- Estou mesmo a ver que ainda vais dizer a alguém - dizia-lhe Lúcia.
- Não digo nada a ninguém; está descansada.
Esquecida,
porém, de todos os seus propósitos e recomendações da prima, Jacinta correu
para a mãe e gritou toda alvoroçada:
- Ó mãe, vi hoje Nossa Senhora na Cova da Iria!
- Credo, filha! És uma boa santa para veres Nossa Senhora.
- Ó mãe, vi hoje Nossa Senhora na Cova da Iria!
- Credo, filha! És uma boa santa para veres Nossa Senhora.
Mas
Jacinta insistiu e se pôs a contar os detalhes de tudo o que havia acontecido,
arrematando:
- Ó mãe, é preciso rezar o terço todos os dias... a Senhora disse isso à Lúcia. E disse também que nos levava todos três para o Céu, a Lúcia, o Francisco e mais eu... e mais outras coisas disse que eu não sei, mas que a Lúcia sabe... Quando Ela entrou pelo céu dentro, parece que as portas se fecharam com tanta pressa que até os pés iam ficando de fora, entalados... Era tão lindo o céu!... Havia lá tantas rosas albardeiras!...
- Ó mãe, é preciso rezar o terço todos os dias... a Senhora disse isso à Lúcia. E disse também que nos levava todos três para o Céu, a Lúcia, o Francisco e mais eu... e mais outras coisas disse que eu não sei, mas que a Lúcia sabe... Quando Ela entrou pelo céu dentro, parece que as portas se fecharam com tanta pressa que até os pés iam ficando de fora, entalados... Era tão lindo o céu!... Havia lá tantas rosas albardeiras!...
O Imaculado Coração de Maria
No
dia de Santo Antônio, apareceram os primeiros peregrinos na casa de Lúcia.
Tendo voltado da missa em Fátima, Lúcia foi com os primos e os peregrinos até
a Cova da Iria. Naquele dia havia 50 pessoas, algumas vindas de longe, para
presenciar o momento da aparição. Ainda não era meio-dia quando chegaram e as
pessoas se espalharam pelo lugar à sombra da grande azinheira, abrindo cestos
com comida. Uma moça começou a recitar em voz alta umas orações de um livro
de piedade. Rezaram então um terço e, ao iniciarem a ladainha Lúcia
interrompeu, dizendo que não haveria tempo. Logo exclamou:
- Jacinta! Já lá vem Nossa Senhora, que já
deu o relâmpago!
Todos os três correram para a azinheira pequena, com o povo atrás em círculo,
ajoelhado sobre as moitas e os tojos. Lúcia levantou as mãos como em oração e
perguntou:
- Vossemecê
mandou-me vir aqui, faça o favor de dizer o que me quer.
Lúcia pediu-lhe a cura de um doente.
-
Queria pedir-lhe para nos levar para o céu.
-
Fico cá sozinha?
Dizendo
essas palavras, abriu as mãos como da outra vez, comunicando-lhes um feixe de
luz vivíssima que os envolveu como num lago de ouro. Era como se estivessem
submergidos em Deus. Jacinta e Francisco pareciam estar na parte dessa luz
que se elevava para o Céu, e Lúcia na que se espargia sobre a terra. Nossa
Senhora tinha sobre a palma da mão direita um Coração cercado de espinhos que
penetravam nele, fazendo-o sangrar horrivelmente. Era o Coração Imaculado de
Maria, ultrajado pelos pecados da humanidade, a pedir reparação.
Desvanecida
essa revelação, a Virgem voltou para o Céu na direção do nascente. Algumas
pessoas mais próximas notaram que os rebentos no topo da azinheira se
inclinavam na mesma direção, como se as vestes da Senhora os tivessem
arrastado.
A
mãe de Lúcia, no dia seguinte, levou-a até Fátima para que desmentisse toda a
história das aparições ao Prior. Este, porém, acolheu a menina com
amabilidade e acreditou que realmente algo estivesse acontecendo. No entanto,
para grande espanto de Lúcia, sugeriu que tudo poderia ser uma enganação do
demônio. Jacinta e Francisco tratavam de dissuadi-la de crer nessa
possibilidade, mas Lúcia cada vez mais se decidia a não ir à Cova no mês
seguinte.
|
Maria Rosa, mãe de Lúcia, sentiu-se aliviada quando, no dia 13 de julho,
percebeu que sua caçula não pretendia levar o rebanho à Cova da Iria. Mas
quando chegou a hora, Lúcia sentiu-se subitamente impelida e correu à casa dos
tios, em busca dos primos, para irem ao encontro da Senhora. Densa multidão
já se aglomerava no local, pois os fatos do mês anterior haviam corrido de
boca em boca. Cerca de 2 ou 3 mil pessoas, devotas ou curiosas, lá estavam ao
redor das crianças, que rezavam o terço. Tio Marto, pai de Jacinta e
Francisco, também estava lá; inesperadamente, encontrou ali também sua
esposa, Olímpia. É que, tendo ouvido a conversa dos três pequenos, ela havia
ido até Maria Rosa e ambas se dirigiram para a Cova, munidas de velas bentas
para exorcisar o espírito maligno que se manifestasse a seus filhos.
Era
já o meio-dia solar. Estavam ainda rezando o terço quando Lúcia, muito
pálida, olhou para o nascente e gritou:
- Fechem os chapéus! Fechem os chapéus que
já aí vem Nossa Senhora!
A
mesma nuvenzinha acinzentada apareceu pairando sobre a azinheira, leve e
transparente. O sol amainou e começou uma aragem muito fresca, mal se
percebendo que era pleno verão. No silêncio profundo, apenas as pessoas mais
próximas dos videntes conseguiam ouvir como um zumbido vindo da azinheira,
mas sem distinguir as palavras da Senhora.
-
Vossemecê que me quer?
-
Queria pedir-lhe para nos dizer quem é, para fazer um milagre com que todos
acreditem que Vossemecê nos aparece.
Lúcia
então pensou em alguns pedidos que várias pessoas lhe haviam feito. Um deles
foi pela cura do filho de Maria Carreira, que desde a segunda aparição
acompanhava as crianças. Nossa Senhora disse que não o curaria, mas lhe daria
meios de vida se rezasse o terço todos os dias. E acrescentou:
|
Conta Lúcia: «ao dizer estas últimas palavras, a Senhora abriu de novo as
mãos, como nos dois meses passados. O reflexo pareceu penetrar na terra, e vimos como um mar de fogo, os demônios e as almas,
como se fossem brasas transparentes e negras ou bronzeadas, com forma humana,
que flutuavam no incêndio, levadas pelas chamas que delas mesmas saíam
juntamente com nuvens de fumo, caindo para todos os lados como caem as fagulhas
nos grandes incêndios, sem peso nem equilíbrio, entre gritos e gemidos de dor e
desespero que horrorizavam e faziam estremecer de pavor. Os demônios
distinguiam-se por formas horríveis e asquerozas de animais espantosos e
desconhecidos, mas transparentes, como negros carvões em brasa.»
As
crianças ficaram tão atemorizadas que recearam estar a ponto de morrer, como se
não lhes tivesse sido dito que as três iriam para o Céu. Ergueram os olhos em
súplica desesperada para a Senhora que os contemplava com melancólica ternura.
«Vistes o inferno,
para onde vão as almas dos pobres pecadores. Para as salvar, Deus quer
estabelecer no mundo a devoção ao Meu Imaculado Coração. Se fizerem o que eu
vos disser, salvar-se-ão muitas almas e terão paz. A guerra vai
acabar. Mas, se não deixarem de ofender a Deus, no reinado de Pio XI começará
outra pior.
Quando vierdes uma
noite alumiada por uma luz desconhecida, sabei que é o grande sinal que Deus
vos dá de que vai punir o mundo pelos seus crimes, por meio da guerra, da
fome e de perseguições à Igreja e ao Santo Padre.
Para o impedir,
virei pedir a consagração da Rússia ao Meu Imaculado Coração e a comunhão
reparadora nos primeiros sábados. Se atenderem aos meus pedidos, a Rússia se
converterá e terão paz; se não, espalhará os seus erros pelo mundo,
promovendo guerras e perseguições à Igreja. Os bons serão martirizados, o
Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas. Por fim,
o Meu Imaculado Coração triunfará. O Santo Padre consagrar-me-á a Rússia, que
se converterá, e será concedido ao mundo algum tempo de paz.
Em Portugal,
conservar-se-á sempre o dogma da Fé.»
|
Continua
Lúcia, em relato do Terceiro Segredo, como divulgado em 26 de junho do ano
2000: «vimos ao lado de Nossa Senhora um
pouco mais alto um Anjo com uma espada de fôgo em a mão esquerda; ao centilar,
despedia chamas que parecia iam encendiar o mundo; mas apagavam-se com o
contacto do brilho que da mão direita expedia Nossa Senhora ao seu encontro: O
anjo apontando com a mão direita para a terra, com voz forte disse: Penitência,
Penitência, Penitência! E vimos n'uma luz emensa que é Deus:
"algo semelhante a como se vêm as pessoas n'um espelho quando lhe passam
por diante" um Bispo vestido de Branco "tivemos o pressentimento de
que era o Santo Padre". Vários outros Bispos, Sacerdotes, religiosos e
religiosas subir uma escabrosa montanha, no cimo da qual estava uma grande Cruz
de troncos toscos como se fôra de sobreiro com casca; o Santo Padre, antes de chegar
aí, atravessou uma grande cidade meia em ruínas, e meio trémulo com andar
vacilante, acabrunhado de dôr e pena, ia orando pelas almas dos cadáveres que
encontrava pelo caminho; chegado ao cimo do monte, prostrado de juelhos aos pés
da grande Cruz foi morto por um grupo de soldados que lhe dispararam varios
tiros e setas, e assim mesmo foram morrendo uns atrás outros os Bispos
Sacerdotes, religiosos e religiosas e varias pessoas seculares, cavalheiros e
senhoras de varias classes e posições. Sob os dois braços da Cruz estavam dois
Anjos cada um com um regador de cristal em a mão, n'eles recolhiam o sangue dos
Martires e com êle regavam as almas que se aproximavam de Deus.»
Disse então Nossa Senhora:
«Isto não o digais
a ninguém. Ao Francisco, sim, podeis dizê-lo.
Quando rezardes o
terço, dizei depois de cada mistério: "Ó meu Jesus, perdoai-nos,
livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o céu,
principalmente aquelas que mais precisarem".»
|
Seguiu-se
um momento de silêncio. Então Lúcia perguntou:
-
Vossemecê não me quer mais nada?
«Não, hoje não te
quero mais nada.»
|
Com
um último olhar cheio de afeto, a Senhora elevou-se em direção ao nascente até
desaparecer. Logo começaram a interpelar as crianças, que ainda estavam
aturdidas:
- Ó Lúcia, que te disse Nossa Senhora que
ficaste tão triste?
- É um segredo.
- E é coisa boa?
- Para uns é boa, para outros é má.
- E não o dizes?
- Não, senhor, não o posso dizer.
- É um segredo.
- E é coisa boa?
- Para uns é boa, para outros é má.
- E não o dizes?
- Não, senhor, não o posso dizer.
Por
esse tempo já parecia não haver ninguém em Portugal que não soubesse das
notícias de Fátima. Os jornais católicos faziam referência aos fatos com grande
prudência. A imprensa anticlerical acusava os padres de inventarem tudo, para
recuperar o prestígio da Igreja.
Enquanto isso, Lúcia sofria em casa as conseqüências da destruição que o povo
causava nas plantações da Cova da Iria. No local já não se podia cultivar coisa
alguma.
- Tu, agora, quando quiseres comer, vais
pedi-lo a essa Senhora! - diziam à menina, que muitas vezes nem ousava
pedir um pedaço de pão, indo dormir com fome.
Mas
Lúcia jamais se revoltou contra a oposição que sofria da família,
particularmente da mãe. Tudo via como cumprimento do que o Anjo lhe havia dito,
a respeito de aceitar os sofrimentos que Deus lhes enviaria. Além disso, foi
inúmeras vezes levada à presença do pároco para interrogatórios, para que, quebrada
sua teimosia, admitisse que toda essa história não passava de mentira. Mas o
bom padre não encontrava contradição alguma nas palavras da pequena, e abanava
a cabeça sem saber o que fazer a respeito de tudo aquilo.
Somente
no campo, com os priminhos, é que tinha um pouco de paz. Mesmo assim, suas
conversas agora eram melancólicas, marcadas pelas revelações espantosas do dia
13 de julho. Rezavam e faziam penitências pelos pobres pecadores. Jacinta não
se comprazia com a promessa de que iria para o Céu: queria que todos também lá
fossem. E dizia:
- Penso no inferno e nos pobres pecadores... O inferno! O inferno!...
Que pena eu tenho das almas que vão para o inferno. E as pessoas lá vivas a
arder como lenha no fogo!... Ó Lúcia, por que será que Nossa Senhora não
mostra o inferno aos pecadores? Se eles o vissem, já não faziam mais pecados
para não irem para lá. Hás de dizer àquela Senhora que mostre o inferno a
toda aquela gente. Verás como se convertem.
De vez em quando Jacinta interrompia sua oração para
perguntar:
- Ó Lúcia, ó Francisco, vocês estão a rezar
comigo?... É preciso rezar muito para livrar as almas do inferno... Vão para
lá tantas, tantas!...
E
rezavam pelos pecadores que não rezam. Pela conversão dos pecadores, deixavam
muitas vezes de beber água e não comiam. Por sua vez, Francisco parecia menos
abalado com as revelações do inferno e das futuras atribulações da
humanidade. Freqüentemente exclamava, arrebatado:
- Como é Deus!!! Não se pode dizer! Isto
sim, que a gente nunca pode dizer! Mas que pena Ele estar tão triste! Se eu O
pudesse consolar!...
|
Em
agosto, Jacinta começou a ter visões proféticas. Certo dia, tendo terminado
de rezar com o irmão e a prima no Cabeço, levantou-se e disse a Lúcia:
- Não vês tanta estrada, tantos caminhos e
campos cheios de gente a chorar com fome e sem nada para comer? E o Santo
Padre numa igreja, diante do Imaculado Coração de Maria, a rezar? E tanta
gente a rezar com ele?
Nas
visões de Jacinta sempre havia coisas sobre o Papa (embora não soubesse qual
Papa), e ela ficava tão perturbada, que queria contar a todos, para que assim
rezassem constantemente por ele.
- Posso dizer que vi o Santo Padre e toda
aquela gente?
- Não! - respondia Lúcia. Não vês que isso faz parte do segredo? E que por aí logo se descobria?
Mais uma vez, estando os três à beira do poço, Jacinta fitava o espaço e
então disse a Lúcia:
- Não viste o Santo Padre?
- Não! - Não sei como foi! Eu vi o Santo Padre numa casa muito grande, de joelhos, diante de uma mesa, com as mãos na cara, a chorar. Fora da casa estava muita gente e uns atiravam-lhe pedras, outros rogavam-lhe pragas e diziam-lhe muitas palavras feitas. Coitadinho do Santo Padre! Temos que pedir muito por ele!
Ao
mesmo tempo, tanto a família como os curiosos atormentavam as crianças:
- Ainda por aqui, ainda não foste para o Céu? - E a tal mulherzica já veio outra vez passear por cima das azinheiras? - Achas que acredito nas tuas mentiras?
Também os sacerdotes as afligiam, e muito. Porém, de vez
em quando aparecia algum que os ensinava, animando-os e confortando-os. Um
deles disse a Lúcia:
- A menina deve amar muito a Nosso Senhor por tantas graças e benefícios que lhe está concedendo.
Estas palavras, ditas com tanta bondade, gravaram-se tão
intimamente na sua alma, que a pequena dizia repetidas vezes, ensinando
também aos priminhos:
- Meu Deus, eu Vos amo em agradecimento pelas graças que me tendes concedido.
Marcante para eles foi o aparecimento de Padre Cruz, que conversou longamente
com as três crianças, ensinando-lhes muitas jaculatórias, tais como:
- Ó meu Jesus, eu Vos amo! - Doce Coração de Maria, sede a minha salvação!
Dizia Jacinta:
- Gosto tanto de dizer a Jesus que o amo!... Quando lhe digo muitas vezes, parece que tenho um lume no peito, mas não queima. Gosto tanto de Nosso Senhor e de Nossa Senhora, que nunca me canso de Lhes dizer que os amo! |
Mas, enquanto isso, o governo
anticlerical via os três confidentes de Nossa Senhora como perturbadores da
ordem pública.
No
dia 11 de agosto, Lúcia foi com o tio e o pai para Ourém, onde foram
inquiridos pelo administrador. No dia seguinte, um domingo, já se avolumava o
povo em Aljustrel, à espera da aparição do mês. Ao entardecer, três homens
vindos de Ourém interrogaram acidamente as crianças, ameaçando-as de morte
caso insistissem em guardar silêncio sobre o segredo. Na manhã do dia 13, o próprio
administrador apareceu na casa de tio Marto, dizendo desejar ir até o local
do milagre. Colocou as crianças em seu carro, para levá-las à Cova da Iria;
disse que poderiam passar antes em Fátima, para o Prior fazer-lhes algumas
perguntas. Foi assim realmente, porém, partindo da casa do Prior, a carruagem
fez uma curva na direção oposta: estavam indo para Ourém!
Enquanto isso, na Cova da Iria os peregrinos que rezavam o terço ouviram um
murmúrio e um ruído como de trovão; viram um relampejar de luz e uma
nuvenzinha frágil vindo do leste, branca e transparente, que flutuou e pousou
levemente sobre a azinheira. Maravilhados e surpreendidos, muitos observaram
que o rosto das pessoas parecia brilhar com as cores do arco-íris e as roupas
ficaram manchadas de vermelho, amarelo, azul e alaranjado. A folhagem das
árvores e arbustos parecia coberta de flores brilhantes, em vez de folhas, e
até a terra seca estava coberta de cores alegres. A Senhora viera, sem
dúvida. Mas não encontrou as crianças. Pouco depois, a nuvenzinha se elevou
novamente e se dissipou no céu.
Em
Ourém, o administrador interrogou os três pastorinhos, mandando-os depois
encarcerar na mesma cela dos presos. Assustados com a situação, desapontados
por não terem podido ir à Cova, tristes com a expectativa da Senhora não mais
lhes aparecer, ofereciam todo esse sofrimento a Deus, em espírito de
reparação. Rezaram um terço, acompanhados pelos prisioneiros, e chegaram a
brincar um pouco com eles, até que foram chamados novamente à presença do
administrador. Ameaçados de serem jogados num caldeirão de azeite quente, nem
assim as crianças abriram a boca para revelar o segredo da Senhora. Os três
passaram a noite na casa do administrador. No dia seguinte, depois de mais um
interrogatório frustrado, foram levados de volta a Fátima.
Antes de irem para casa, os pastorinhos foram ao local das aparições para
rezar o terço diante da árvore. Causou pena ver o estado da azinheira, com
mais galhos do que folhas. Perto dela estava uma mesa com dois castiçais e
algumas flores, levadas para ali no dia 13 por Maria Carreira. Muitas pessoas
haviam lançado sobre essa mesa algumas moedas, cuja aplicação Lúcia ficou de
perguntar à Senhora em 13 de setembro.
|
Nos Valinhos
No domingo seguinte, dia 19 de agosto à tarde, Lúcia,
Francisco e o irmão João foram levar as ovelhas para uma fazenda do tio de
Lúcia: os Valinhos. Eram mais ou menos quatro horas da tarde quando Lúcia
começou a notar que a temperatura refrescava, o sol se amainava, e então
surgiu o relâmpago. Também a irmã de Lúcia, Teresa, e seu marido, que estavam
para entrar em Fátima, perceberam nesse momento as mesmas coisas que se viram
no dia 13 na Cova da Iria. Ao sentir que Nossa Senhora vinha, e Jacinta não
estava no local, exclamou para o primo:
- Ó João, vai buscar a Jacinta depressa
que vem lá Nossa Senhora!
Como o rapaz não quisesse ir, na intenção de ficar e ver
também a Senhora, Lúcia lhe prometeu dois vinténs para que fosse a toda
pressa. Quando deu o segundo relâmpago, Jacinta chegava com João. Momentos
depois, aparecia a Senhora sobre uma azinheira.
- Que é que Vossemecê me
quer? -
perguntou Lúcia, como das outras vezes.
Novamente, Lúcia pediu que Ela fizesse um milagre para
todos acreditarem.
-
Que é que Vossemecê quer que se faça do dinheiro e das outras ofertas que o
povo deixa na Cova da Iria?
-
Queria pedir-lhe a cura de alguns doentes.
Ela fez uma pausa e continuou, depois, muito triste:
Então, como das outras vezes, foi se elevando até sumir em direção ao
nascente. As crianças ficaram cheias de júbilo, depois de tantas desilusões e
vexames sofridos. Quando saíram do êxtase e se sentiram capazes de se mover,
cortaram alguns galhos da árvore em que Nossa Senhora havia pisado,
levando-os para casa. Jacinta foi logo dizendo:
- Ó tia, vimos outra vez Nossa Senhora!...
Nos Valinhos!
- Ai, Jacinta! Sempre vocês me saíram uns mentirosos! Nem que Nossa Senhora lhe vá aparecer agora em toda parte por onde vocês andam!...
Mas
a extraordinária fragrância dos galhos da azinheira dos Valinhos foi, para as
famílias dos videntes, um sinal de que alguma coisa singular realmente estava
acontecendo.
O
tempo todo as três crianças dedicavam à oração e a imaginar que mortificações
poderiam praticar pela conversão dos pecadores. No mês de agosto, de maior
seca, chegaram a ficar nove dias sem beber água. Em lugar de comer as frutas
doces que os pais lhes davam, comiam ervas do campo e pinhas verdes. Tendo
encontrado uma corda áspera no caminho para Aljustrel, os três a repartiram
para usar na cintura como um silício, dia e noite.
Eram claros os sinais de que essas penitências agradavam a Deus.
Particularmente, Jacinta agora era mais paciente, carinhosa, e aberta aos
sofrimentos. Teve muitas visões sobre coisas futuras. Certo dia, rezou três
Ave-Marias por uma mulher muito doente, e todos os sintomas da doença
desapareceram. Por outra mulher, que os injuriava chamando-as de impostoras e
mentirosas, Jacinta pediu que os três fizessem muitas penitências para que se
convertesse; e de fato, nunca mais a ouviram dizer uma palavra menos bondosa.
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|||||||
Vinte mil peregrinos na Cova da Iria
O número de devotos de
Nossa Senhora de Fátima ia aumentando dia a dia.
Na Cova da Iria, os devotos se
comportavam como se estivessem na igreja, ajoelhando-se quando lhes era
possível, e os homens descobriam a cabeça para rezar. Com grande dificuldade,
as crianças passaram pela multidão para chegar ao pé da azinheira. No
caminho, gente do povo e até senhoras e cavalheiros caíam de joelhos diante
deles, pedindo-lhes que apresentassem à Senhora suas aflições.
- Pelo amor de Deus, peçam a Nossa Senhora que me cure o meu filho
que é aleijadinho!
- Que me cure o meu que é cego! - O meu que é surdo! - Que me traga meu marido, meu filho, que anda na guerra. - Que me converta um pecador! - Que me dê saúde que estou tuberculoso!...
Ali apareciam todas as
misérias da pobre humanidade. Alguns gritavam até do alto das árvores e
muros, para onde subiam a fim de ver os videntes. E as crianças haviam apenas
visto a Mãe do Salvador. Como não terá sido nos caminhos de Israel,
quando Nosso Senhor andava pelo mundo?
Chegados à azinheira
milagrosa, Lúcia começa o terço, e toda a gente a segue na oração. Agora a
Cova da Iria transformava-se num grande templo cuja abóbada era o Céu.
Dá-se o relâmpago. Um globo
luminoso que todo o povo vê, move-se do nascente para o poente, deslizando
lento e majestoso. Acontece então uma chuva de pétalas coloridas, que
desaparecem antes de chegar ao chão; o sol escurece a ponto de deixar ver as
estrelas; uma aragem fresca suaviza os rostos escaldados. Tudo causa assombro
e alegria. De todos os lados se ouvem brados de louvor à Virgem Santíssima,
que mais uma vez vem manifestar seu poder e misericórdia.
- Que é que Vossemecê me
quer?
E novamente recomenda que
não faltem no dia 13 de outubro, em que virá São José com o Menino Jesus para
dar a paz ao mundo, Nosso Senhor para abençoar o povo, Nossa Senhora das
Dores e Nossa Senhora do Carmo. Depois de um curto silêncio, a Senhora
acrescenta:
Desse modo, foi corrigido o
excesso de mortificação ao qual as crianças se submetiam.
- As pessoas me têm pedido
para pedir muitas coisas. Esta pequena é surda-muda. Não a quer curar? - e Lúcia acrescenta os muitos
outros pedidos de que se lembrava.
- O povo gostava de ter
aqui uma Capela.
- Há muitos que dizem que
eu sou uma intrujona, que merecia ser enforcada ou queimada. Faça um milagre
para que todos creiam!
- Umas pessoas deram-me
duas cartas para Vossemecê e um frasco de água de colônia.
E começou a elevar-se até
desaparecer. Parte da multidão viu novamente o globo nevado.
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Em todo o país de Portugal
se falava nas Aparições de Fátima e sobretudo no milagre esperado em outubro.
Os inimigos da Igreja se riam dessa profecia e dos simplórios que acreditavam
nela. Não podendo deixar de cobrir tal notícia, o jornalista Avelino de
Almeida, o mais conceituado de Portugal na época, escrevia na edição de 13 de
outubro do jornal O Século:
Que não se ofendam as almas piedosas
nem se assustem os corações crentes e puros (...) Este é apenas um artigo de
jornal sobre um acontecimento que não é novidade na história do
catolicismo... Alguns o encaram como uma mensagem do céu e da graça. Outros
vêem nele a prova evidente de que o espírito de superstição e de fanatismo
lançou raízes tão profundas que será difícil, se não de todo impossível,
destruí-lo. (...) Segundo o que afirmam as crianças, a Virgem aparece sobre
uma azinheira, rodeada de uma nuvem por todos os lados. É tão poderosa a
sugestão coletiva, ali causada pelo sobrenatural e mantida por uma força
sobre-humana, que os olhos se enchem de lágrimas, as faces se tornam pálidas
como cadáveres, homens e mulheres caem de joelhos, cantando hinos e rezando
juntos o terço."
Em Fátima e Aljustrel, onde
menos se dava fé às palavras dos pastorinhos videntes, reinava um verdadeiro
pavor: temia-se que, não acontecendo o tal milagre prometido, o povo lhes queimasse
as casas e os matasse. A mãe de Lúcia acordou-a no dia 12, mal nascido o sol:
- Ó Lúcia, é melhor irmos à confissão. Dizem que havemos de morrer
amanhã na Cova da Iria... Se a Senhora não faz o Milagre, o povo mata-nos.
Portanto é melhor que nos confessemos, a fim de estarmos preparadas para a
morte...
Mas Lúcia respondia com toda a
calma:
- Se a mãe quer se confessar, eu vou também; mas não por este motivo.
Não tenho medo que nos matem. Estou certíssima que a Senhora há de fazer amanhã
tudo o que prometeu.
O dia 13 de outubro amanheceu com
uma chuva torrencial. Havia cerca de 70 mil pessoas na Cova da Iria. Pelo
caminho, como no mês anterior, muitos se aproximavam dos pastorinhos pedindo
graças e curas. A água da chuva escorria por suas roupas, e as pessoas
enlameadas até os joelhos cantavam hinos. Um dos padres que passara a noite
toda na chuva e na lama, de tempos em tempos consultava nervosamente o
relógio. Ao aproximar-se a hora da aparição, todo o povo rezava o terço, até que
Lúcia, impulsivamente, disse que fechassem os guarda-chuvas. E, apesar da
chuva que ainda caía, um por um os presentes obedeceram. O padre olhou
novamente para o relógio depois de alguns instantes e disse:
- Já passou do meio-dia. Fora com tudo isto! É tudo uma ilusão!
Começou a empurrar os três
pequenos videntes com as mãos e Lúcia, quase a chorar, recusou-se a sair do
lugar.
- Quem quiser ir-se embora, que se vá, que eu não vou! Nossa Senhora disse
que vinha. Veio das outras vezes e agora também há de vir.
Já se ouviam queixas e murmúrios
de desapontamento entre os presentes, quando Lúcia olhou para o nascente e
disse a Jacinta:
- Ó Jacinta, ajoelha-te que já lá vem Nossa Senhora! Já vi o relâmpago.
- Vê bem, filha! Olha que não te enganes! - disse Maria Rosa. Mas
Lúcia nem ouviu a recomendação. As pessoas mais próximas já notaram que suas
feições se tornavam coradas e de uma beleza transparente. Olhava agora
arrebatada para a Senhora.
- Que é que Vossemecê me quer?
-
Tenho muitas coisas para lhe pedir: se curava uns doentes, se convertia uns
pecadores...
E o rosto da Senhora tomou um ar sério:
-
Não me queres mais nada?
- E
eu também não quero mais nada.
Despedindo-se, a Senhora abriu as mãos, como das outras vezes, e o brilho que
delas saía subia até onde devia estar o sol. A multidão viu as nuvens se
abrirem e o sol aparecer entre elas, no azul do céu, como um disco luminoso.
Muitos ouviram Lúcia gritar:
- Olhem para o sol!
porém, ela estava em êxtase e não
se recorda de ter dito isso, pois estava totalmente absorta em outras visões
que se sucederam...
Conta Lúcia: "desaparecida
Nossa Senhora na imensidade do firmamento, vimos ao lado do sol São José com
o Menino e Nossa Senhora vestida de branco com um manto azul. São José com o
Menino pareciam abençoar o mundo, pois faziam com as mãos uns gestos em forma
de cruz."
E somente Lúcia teve a visão seguinte: "Pouco depois, desvanecida essa aparição, vi Nosso
Senhor e Nossa Senhora que me dava a idéia de ser Nossa Senhora das Dores.
Nosso Senhor parecia abençoar o mundo da mesma forma que São José.
Desvaneceu-se esta aparição e pareceu-me ver ainda Nossa Senhora em forma
semelhante a Nossa Senhora do Carmo".
Enquanto isso, a multidão presenciava o milagre prometido
por Nossa Senhora: o sol rompia as nuvens e, bem no zênite, na posição de
meio-dia, brilhava como um disco de prata. Era possível realmente olhar para
ele, sem que sua luz ofuscasse. Isso foi por um instante. Todos ainda olhavam
para o sol, assombrados, quando ele começou a "dançar", segundo a
descrição das pessoas: ele começou a girar sobre si mesmo, como uma bola de
fogo, e então parou. Logo voltou a girar, mas velozmente. Ainda girando, suas
bordas ficaram escarlates e começaram a lançar chamas por todo o céu, e com
isso sua luz se refletia em tudo e em todos, com as diferentes cores do
espectro solar. Ainda girando rapidamente, e espargindo chamas coloridas, por
três vezes o sol pareceu desprender-se do céu e precipitar-se em zigue-zague
sobre a multidão.
Muitos julgavam ser o fim do
mundo, e as pessoas se ajoelhavam na lama pedindo perdão de seus pecados.
Houve quem fizesse confissão pública em altos brados, e alguns dos que haviam
ido até a Cova para fazer troça dos crédulos prostraram-se em terra entre
soluços e orações desajeitadas. O fenômeno durou por uns dez minutos, e
depois, elevando-se em zigue-zague, o sol voltou a sua posição normal e
brilhante, ofuscando como o sol comum.
As pessoas se entreolhavam e
diziam: "Milagre! Milagre! As crianças tinham razão! Nossa Senhora fez o
milagre! Bendito seja Deus! Bendita seja Nossa Senhora!" Muitos riam,
outros choravam de alegria, e houve quem notasse que suas roupas se haviam
secado subitamente.
Soube-se que o fenômeno foi visto
até a quarenta quilômetros de Fátima. Personalidades como o Prof. Almeida
Garret e membros da nobreza de Portugal registraram seu testemunho. A
imprensa anticlerical foi obrigada pelos fatos a noticiar o fenômeno.
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